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Falta de vontade política









É possível, sim, sair deste estado de coisas através da criação e planejamento de políticas públicas e, acima de tudo, com muita vontade política e determinação





 


São muitas as dúvidas ao pensar na preservação da memória. As tentativas de planos e projetos culturais, sejam dos governos estadual, federal ou de particulares, nunca encararam a indústria cultural, tanto a produção quanto o consumo, a indústria do entretenimento, produzindo distraídos e desconcentrados em série, fórmulas que regem as sociedades modernas. Estamos cansados de saber que os grandes conglomerados empresariais (o “lobby” das construtoras) juntam-se à especulação imobiliária, são os agentes atuantes no mercado de consumo. Impossível neste começo do século 21 que a política cultural esteja voltada ao patrimônio histórico, físico e imaterial, subvenções e subsídios à arte e setores modernos de produto cultural em Presidente Prudente.
Neste ano do centenário, há muitos flancos expostos: O Estado sustenta a ciência e a tecnologia, e por que não discutir a cultura versus a educação? Aparentemente, um labirinto de estratégias (ou interesses) que supera as energias do aparato governamental local e chega até o nacional. Vivemos um momento imprescindível de por as cartas na mesa, sem anteparos. Que podem resolver esses projetos, exemplo as leis de incentivo fiscal e cultural é preservação da memória diante de milhões de analfabetos? Democratizar a cultura? Sem o domínio da língua padrão? Hoje, o analfabetismo funcional não se limita estar presente nos bancos escolares, pois já atingiu fortemente o próprio corpo docente, em todos os seus níveis, do primário ao universitário. Este é apenas uma fotografia 3x4 do que vem ocorrendo com a educação, as artes em geral, com os museus, as pinacotecas, a memória da cidade e de quase todo o Brasil.
O tombamento histórico (de prédios, casas, casarões, etc.) constitui um dos atos mais importantes da política de preservação de um governo. Não se refere, essa política, apenas ao cuidado com os valores artísticos e arquitetônicos, mas ao reconhecimento dos valores representados pelo ambiente urbano, como um todo. Por isso, os cidadãos, profissionais liberais, representantes do povo e outros mais, devem elaborar um documento reivindicando o tombamento das vilas Marcondes e Furquim, certas construções do centro de Presidente Prudente, entre as ruas Barão do Rio Branco, Nicolau Maffei, Doutor Gurgel (antiga Nilo Peçanha), Doutor José Fóz (antes Joaquim Távora), Avenida Washington Luiz (tinha o nome de Avenida Newton Prado) e Rui Barbosa. Acrescente-se a Avenida Brasil e as casas mais representativas do bairro do Bosque, entre o eixo IE Fernando Costa até a construção dos extintos colégios São Paulo e Objetivo – para que haja referencial dos habitantes provarem suas histórias aos filhos, netos e bisnetos – mostrando a arquitetura, as matas e águas naturais. É a beleza humana e saudável na paisagem urbana.
Mas, não é só isso, a barragem concreta que se ergue em contraste com as habitações traz a toda cidade um efeito de instabilidade na temperatura. Elevou-se o calor e, consequentemente, o mormaço, através do desmatamento ao longo dos anos (soma-se ao fato, a construção da usina de Porto Primavera, nos últimos tempos, a utilização da cana-de-açúcar que reduz a umidade do solo) aumentando o seu ressecamento, comprometendo o conforto ambiental e, em última instância, a qualidade de vida na região. Da mesma forma que o desenvolvimento predatório destrói o verde, por um processo antrópico, alguns grupos e organizações tentam reconstruir a vegetação através de uma ação refletida, transformando-a em bem cultural ou objeto de tombamento. É possível, sim, sair deste estado de coisas através da criação e planejamento de políticas públicas e, acima de tudo, com muita vontade política e determinação. Sem romper contra tal estado letárgico, incide-se num plano meramente faz-de-conta para cumprir o cronograma de metas.
A história de um povo, suas raízes ou seus costumes, é feita através de iniciativas culturais que preservem o seu passado para poder contar às gerações futuras. Há algum tempo, aconteceu a demolição do antigo Cine Presidente, localizado na avenida Coronel José Soares Marcondes, ao lado de uma papelaria tradicional, que descaracterizou o aspecto físico do patrimônio histórico. A exemplo do Hotel Municipal, entre as ruas Doutor Gurgel e Joaquim Nabuco e apenas estão guardados na memória dos prudentinos, de 40 anos para cima, de ex-funcionários, antigos viajantes, frequentadores do local além de poucos cidadãos conscientes e preocupados com a questão, pois, sem políticas públicas e sem documentos concretos Presidente Prudente se tornará uma cidade vazia, sem referencial, sem identidade cultural e perdida no espaço.






 
 

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