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Cidade sem rosto 1







Ao centenário de Presidente Prudente






No fundo do quarto do fotógrafo há uma porta
que se abre para uma escada de ferro em caracol
pela qual desce
a fim de penetrar no bojo deste instante alucinado
da imagem aérea
nesta hora mais inexplicável
nesta hora mais absurda.
Os cowboys urbanos e virtuais
guardam seus rebanhos:
cavalos de raça do oeste americano
no sistema feudal de condomínios
sob os olhos da última sentinela da geração.
Uma paisagem de fortaleza com antenas parabólicas
entre chuva, sol a pino, ar seco e abafado.



Todos os trilhos convergem para um só ponto.
Os transportes coletivos lotados e interestaduais numa segunda-feira
bem cedo, são desejos oprimidos no coloquial.
E a saída de emergência, a locomotiva fora da estrada
de ferro não se encontra,
perdeu o rumo, sem perspectiva e à margem da linha.
Uma lotação de sonhos rodando por uma estrada de pesadelos!
A magia negra da cidade que se espreita, tensa e angustiada,
pelo ângulo da distância mínima,
as ruas e as avenidas estreitas, que a arrebata,
arrasta numa vertigem a alma.
Como o menino e a garota petiscos riem no espaço de luzes concisas,
de olhos violeta saltam para o pagode na face obscura da lua,
do terminal rodoviário.
Magias negras no inconsciente, esquecemos dos objetos
que guardamos no porão de nossas casas.
Os bairros das Vilas Marcondes, Furquim, Dubus,
Esperança, o centro, o Bosque, as avenidas Brasil, Marcondes,
Washington Luiz, Manoel Goulart, fragmentos de revistas
e jornais velhos sinalizando sua deterioração dramática
de pintura mofada de outono gasto.
Meus pés se afundam na pedra e no cimento do caminho,
e descubro o hálito quente da cidade-fantasma,
e a pulsação íntima da alma que busca
resgatar suas raízes entranhadas, além das arcadas dentárias
fossilizadas no chão.








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