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Colcha de retalhos

 


Falar sobre Literatura, Degustação e Culinária exige faca afiada e corte certeiro, tarefa não muito fácil para alguém que inicia pelo caminho da técnica. Rubens Shirassu Júnior em seu livro A literatura na degustação optou, desse modo, dar às reflexões o formato de uma colcha de retalhos. E, nesse ponto, delinea aquilo que é central na expressão “colcha de retalhos”. A concepção de “colcha de retalhos” veio a partir do filme intitulado “Patchwork” (1995), protagonizado por Winona Ryder que, na história, está elaborando sua tese de doutorado. Eis a sinopse: Mãe e amigas decidem bordar uma colcha para uma jovem indecisa frente ao casamento, uma colcha de casamento, seguindo a tradição. Enquanto constróem o bordado, vão resgatando episódios passados de suas vidas, resolvendo velhas pendências. Quando a colcha fica pronta, nada mais é como antes. Porque antes de tudo, esse termo possui uma feição estética, e é essa que pretendo fazer migrar para a formatação das escritas críticas.

Começa o ensaio com uma citação belíssima, a qual explicita algumas categorias importantes: no jargão popular, a colcha de retalhos traz a ideia de confusão, cujas partes são fragmentos destituídos do todo.

O uso que faz do conceito é justamente o contrário, qual seja: reuniu cada capítulo a partir dos trechos das narrativas que subsidiam este ensaio e cuja temática entra em atuação como uma espécie de chamamento e ligadura para o trânsito das obras; ou seja, um determinado momento culinário dá razão a uma certa abordagem crítica dos capítulos.

Desse modo, o corpo destas reflexões desnuda-se aos poucos, em pedaços, por meio das experiências recolhidas, as quais serão tratadas à medida que emergem no texto. Daqui salta um conceito importante, o de Experiência, o qual resgata da sua pesquisa.

A experiência benjaminiana (1994) se torna fundamental para o autor mergulhar na compreensão dos relatos culinários, isso porque toda receita é, antes de qualquer coisa, um objeto cultural transeunte do tempo. Seus ingredientes foram empiricamente avaliados e julgados pelas mãos e bocas de quem os fez. A experiência, um recorte estético necessário para entender a reatualização da receita, que sempre se recompõe de novos ingredientes e, assim, o sentido de originalidade passa pelo crivo da (re)composição. A memória ressurge, também, como um ingrediente estético importante, pois é ela que marca a permanência, atualização e deslocamento dos relatos, das receitas e que organiza as narrativas.

Alina Sokolov

Escritora e pesquisadora russa

 

Pré-venda do livro no site:

www.editoraescolacidada.com.br


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