Pular para o conteúdo principal

Performatividade e feminilidade

 

A análise de Rubens Shirassu Júnior flui como um rio, procurando entender a relação entre culinária e narração em observância ao corpo feminino, entendendo essa categoria, o corpo enquanto espaço ativo, em ação e mutação constantes, que se desdobra. Nos ensaios que compõe A literatura na degustação, a memória entra em foco, no sentido de que esses corpos narram e reinterpretam a sua posição no mundo, em diálogo com o fazer culinário e com a prática narrativa. Por isso, o autor recorre à “performatividade” como forma de perceber a ação e a reação desses corpos no tempo e no espaço da narrativa. O sentido de “performatividade” que os leitores vão saborear durante a leitura da obra. No que demonstra as dimensões artística e antropológica, cuja ligadura se faz por meio do discurso desencadeado pelos agentes sociais, que se personificam no âmbito literário e no vivido.

Como argumenta o ensaísta, o corpo se performatiza na relação trinômia entre o ato de escrever, cozinhar e amar, tríade que representa uma unidade. E a relação que procura estabelecer, de chofre, se apresenta: o corpo como espaço onde se constrói a feminilidade, pois, não é só em relação ao prato e à receita que são necessárias as porções ou os condimentos sob medida, o corpo segue também a composição de cada etapa para dar cabo à receita e para, com ela, se reestruturar.

As mulheres e os homens que lidam com a prática culinária, seja aquela in locu, seja em atividade discursiva, estão constantemente se (re)significando e, com isso, rediscutindo a sua feminilidade, tanto no momento em que relembram determinadas receitas quanto em certas ocasiões em que precisaram atuar com elas: preparar um prato requer não só a organização dos ingredientes, mas a articulação de todo um gestual necessário à feitura dos pratos. Nesse tempo e espaço quando e onde ocorre a narração das receitas a habilidade culinária exige certa performatividade, tanto rememorativa, no que se relaciona aos ingredientes, quanto em relação à versatilidade para reagrupar componentes que dão ao prato um sentido de originalidade.

“Nos livros das escritoras e escritores que utilizo neste ensaio, as receitas que reapareciam à mesa atuavam com algum elemento inovador, situação similar ao contexto literário em que o fluxo de uma história se apresenta sempre inaugural quando recontada.” – arremata Rubens Shirassu Júnior.

VOCÊ PODE COMPRAR O LIVRO NO SITE:

www.editoraescolacidada.com.br


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na