( Quarta Parte )
Marca
do pensamento católico
Caracterizando
o romance brasileiro posterior a 1930, Alfredo Bosi considera que, ao lado das
tendências experimentais (seguidoras do novo romance francês), há três outras
correntes: a intimista, a nacional-popular, do romance político e social, e a
tendência do romance religioso (as três, ainda, desenvolvendo vertentes abertas
em 1930). E vê pontos de contato entre as duas últimas, porque “ao lado das relações políticas, stricto
sensu, há um retorno das consciências religiosas às suas fontes pré e
antiburguesas” que se, manifesta na obra de escritores como Otávio de Faria
e Lúcio Cardoso, por exemplo, no Brasil. No estrangeiro, são representantes
dessa tendência, entre outros, Saint-Exupéry, George Bernanos, Julien Green e
Graham Greene, este último frequentemente citado por Antônio Callado. Para
esses escritores, diz ainda Alfredo Bosi “o
problema do engajamento, qualquer que fosse o valor tomado como absoluto pelo
intelectual participante, foi a tônica”. Sob essas mesmas coordenadas,
começou a produzir o autor de Quarup
e, até a sua última produção, sua ficção traz a marca do pensamento católico,
impregnando projetos estéticos e políticos seus e de boa parte da esquerda
brasileira. Trata-se de uma combinação no mínimo polêmica.
Dimensões
sociais
O
que se mantém na obra de Callado, sob a crítica da Igreja como instituição
fechada e cúmplice das classes dominantes, e sob o ceticismo cada vez maior dos
últimos romances, é a confiança no poder do sentimento religioso, no seu
potencial revolucionário. Daí a insistência em certos arquétipos, como o padre
Cícero, Antônio Conselheiro, ou, mesmo, Cristo, lembrando-nos sempre que as
forças de repressão percebem o perigo desses mitos quando eles ameaçam
reencarnar seja em Manuel Salviano, padre Nando, Levindo ou Beto, rei das
trevas e das águas.
Trabalhando
com esses arquétipos e com a imagem do pecado, da culpa, da penitência, do
martírio e da salvação, com as antinomias do bem e do mal, de Deus e do diabo,
entre as quais os personagens se debatem ao longo de suas histórias, Callado
abre dimensões sociais, já nos dois primeiros romances (Assunção de Salviano, de 1954, e A Madona de Cedro, de 1957), antecipando certos aspectos que
desenvolverá mais tarde em Quarup.
Assim, o beato de Assunção de Salviano,
espécie de Antônio Conselheiro, ou padre Cícero renascido na Bahia, prefigura
personagens da nossa história recente, como Francisco Julião (Januário, em Quarup, representando uma força popular
contrária à Igreja comprometida com o latifúndio, mas contrária também ao
partido comunista e aos seus esquemas abstratos de uma revolução pensada de
cima para baixo. E o padre, de A Madona
de Cedo, com sua obsessão em fazer um trabalho mais útil junto aos índios
da Amazônia, prefigura o padre Nando e a sua profunda insatisfação com a vida
de sacerdote tradicional, centelha a empurrá-lo, como à personagem de Quarup, para fora da igreja; e, em Assunção de Salviano, como disse
Franklin de Oliveira, a ligação, por um
“arco de fantasia”, do Juazeiro de Salviano ao engenho Galiléia”.
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