Pular para o conteúdo principal

País mascarado (3)

 

(Terceira Parte)

Que País é esse?

            Da ficção de Antônio Callado, em seu conjunto, transparece um projeto que se poderia chamar de Alencariano, na medida em que seus romances tentam sondar os avessos da História brasileira, aproveitando para tanto, junto com os modelos narrativos europeus (influência sobretudo do romance francês e do inglês) e brasileiros (o próprio José de Alencar e Machado de Assis, entre outros), a passagem do país tropical. Mesmo nos últimos livros, onde se pode ler um grande ceticismo em relação aos destinos do Brasil, permanece o deslumbramento pela exuberância da nossa natureza. Vista em bloco, a obra ficcional de Antônio Callado é uma espécie de reiterada “canção de exílio”, ainda que às vezes pelo avesso, como em Sempreviva (sexto romance publicado em 1981) onde o herói, Vasco ou Quinho – o “involuntário da pátria” – é um exilado em terra própria.

Da religião à política

O livro mais célebre de Antônio Callado é Quarup, publicado em 1967, reeditado dez vezes, e traduzido em várias línguas. Com esse romance, inaugura-se a ficção mais diretamente política do escritor que abandona a tonalidade predominantemente religiosa dos romances anteriores. Mas essa passagem, do religioso ao político (com a qual Quarup tece mesmo a sua trama), conserva sempre uma certa religiosidade.

Vários críticos já leram Quarup como a trajetória do abandono da religião pela política, mas na verdade essa leitura é um tanto simplista. Não se trata de uma negação da religião, nem mesmo do Cristianismo. Trata-se, muito mais, da percepção quase profética dos novos rumos que a própria Igreja estava começando a trilhar, no Brasil e no mundo, bem como da afirmação de uma religiosidade mais livre para uma sociedade mais justa.

Callado mesmo reconhece que essa religiosidade sempre presente em sua obra se deve à sua formação, na época em que o catolicismo era uma prática e um pensamento que faziam parte do dia-a-dia das famílias de classe média e alta no Brasil. Seus romances transpiram esse clima religioso sob o qual ele viveu a infância e a adolescência, bem como o momento histórico que testemunhou: a virada social da Igreja, depois de João XXIII, que no Brasil o escritor teve oportunidade de observar de perto, com a súbita entrada dos padres nos movimentos sociais revolucionários (especialmente no Nordeste, onde constatou mudanças radicais da Igreja entre 1959 e 1963).

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d...

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo...

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na...