“O diabo é que tem gente que leva a metáfora a sério
e parece estar sempre se aproveitando do desespero nacional,
para saber até aonde é possível ir aos limites da manipulação
e do amedrontamento. E, é claro, os que desafiam as normas
maniqueístas não sofrerão os efeitos de seu fundamentalismo:
no caso de a gente cair no abismo de fogo,
não esperamos ver outros caindo junto. Estamos fritos?”
Happy Birthday de William Blake
Os dois caminhos oferecidos ao Homem, que se equilibra há milênios, são uma figura de retórica convenientemente vaga. Temos vagas visões como o inferno da escatologia cristã: tem-se o temor, mas não se tem os detalhes. Passa-se a eternidade numa grelha ou há períodos de folga? São sempre os mesmos diabinhos a nos esperar ou há um rodízio? Só sabemos que não queremos chegar lá para descobrir.
A ciência, pelo menos até Einstein, nunca pretendeu desafiar a metafísica dominante, mesmo quando desmentia seus dogmas. Em seu tratado revolucionário sobre o Universo heliocêntrico, Copérnico destruiu mil anos de ensinamento da Igreja. Mesmo assim, continuamos a ver nossas novelas e a pagar nossos carnês, e concluímos que o inferno é mais uma ficção repreensiva do que um fato. O caos completo ou o apocalipse nunca chegará ou, pelo menos, nunca será completo. Porque, quando pensamos no inferno imaginamos as imagens monstruosas e surrealistas e, por isso, tememos o desconhecido, pelo conceito imposto de fatalidade.
Melhor pensar que o juízo final será, brasileiramente, adiado para sempre – ou nunca passará da retórica à realidade. O diabo, é que tem gente que leva a metáfora a sério e parece estar sempre aproveitando do desespero nacional, para saber até aonde é possível ir aos limites da manipulação e do amedrontamento. E, é claro que os que desafiam as normas maniqueístas não sofrerão os efeitos de seu fundamentalismo: no caso de a gente cair no abismo de fogo, não esperemos ver outros caindo junto. Estamos fritos? Se não é verdade, é um bom achado, além de negócio rentável, livre também de estelionato porque você não assina nenhum documento, como comprovante, parafraseando Galileu.
Uma coisa torna essa política unânime, desde a idade média: na língua dos números (ou do dinheiro) não existe retórica, nem jargão e nem duplo sentido – existe, sim, a língua dos artifícios, como o bem colocado termo “a salvação eterna”. Você pode contestar os argumentos, ser convincente com mais números, mas não tente questionar sobre a verdade, o seu caráter e suas motivações.
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