“Num Brasil em que a imagem moderna, determinada e,
acima de tudo, simulada de um reluzente democrata
amealha pontos na negociação, além da intenção de voto,
é razoável que gurus modelo bem flexível tenham que disputar
clientes como mestre da adequação às normas do stablishment.”
No Brasil, o “boom” dos livros de autoajuda e da indústria do misticismo e apocalipse é um fenômeno que ocorre paralelamente ao crescimento das seitas religiosas – cristãs e não-cristãs. Num caso e no outro, as pessoas buscam a cura, o consolo, o aconselhamento espiritual fora da ortodoxia. Isto é, através de práticas mais flexíveis, por meios mais acessíveis. As terapias atendem à classe média alta letrada, como os livros de autoajuda, e descrente. As seitas seduzem os não tão sofisticados e menos “favorecidos”. O paralelo, aqui, é sociológico num sentido amplo. Mas há uma analogia essencial entre religião e terapia.
Numa famosa carta ao amigo Oskar Pfister, Freud definiu os psicanalistas, junto com os oradores, como “pastores de alma leigos”. A psicoterapia aparece claramente como um sucedâneo da prática religiosa, num mundo secularizado. Ela só poderia surgir com a morte de Deus, parafraseando Nietzsche. Estas são considerações muito genéricas (alguns diriam nebulosas).
O fato é que, no Brasil, os oradores, os profetas do apocalipse, místicos e livros de autoajuda proliferam como cogumelos depois da chuva.
Menos preocupados com a salvação da alma, outros recorrem, de forma semelhante, a métodos que prometem em pouco tempo, acrescentar novos
atributos a uma imagem pessoal em atrito com este mesmo sistema. Em contraste com os adeptos das terapias, dos motivadores, o que se deseja é lustrar o ego e aprender a técnica de integrá-lo às exigências sociais de sucesso – tarefa para professores de oratória, boas maneiras, poder mental e congêneres.
Num Brasil em que a imagem moderna, determinada e, acima de tudo, simulada de um reluzente democrata amealha pontos na negociação, além da intenção de voto, é razoável que gurus modelo bem flexível tenham que disputar clientes como mestre da adequação às normas do stablishment. Eles prometem o sucesso por cursinhos que oferecem performance nota 10, além de uma rede de fórmulas rápidas para “mudar de vida”.
A cada dia, atrai uma legião de novos adeptos no Brasil. Agora que as exortações à eficiência tornaram-se mote do discurso de presidenciáveis, a propósito da criação de um Brasil do Novo Milênio, muitos poderão ambicionar um equipamento mental à altura desta novidade. Os interessados encontram nos grandes centros, um amplo leque de cursos comprometidos com o chamado desenvolvimento pessoal.
O mundo hoje está mais complexo e as gerações atuais sem tantas esperanças. O clima é completamente diferente: as pessoas estão muito mais interessadas em se estruturar do que em se expressar.
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