“Imoral, acima de tudo, é a intolerância.
Trata-se de um tiro no pé, pois a sanção volta-se
contra a intolerância e consagra
a liberdade de expressão. Não temos lembrança de quem
proibiu Joyce, Flaubert, D.H. Lawrence, Proust,
entre outros casos famosos.
Mas os censurados tornaram-se inesquecíveis.
Os artigos “Muito Maresia, Cara!”, “Um Mundo Pré-Amoral e Bárbaro”, “O Mito e a Falsa Moral” e “Camelôs do Ego”, de minha autoria, foram proibidos em três jornais e um portal do interior do Estado. Três nos anos 90, e o quarto neste mês, portanto, como escritor estou com “a pulga atrás da orelha” sobre os meus direitos de escrever com liberdade – e todos os cidadãos brasileiros, além dos artistas em geral, têm uma ameaça concreta pesando sobre a liberdade de expressão. Nem todos, porém, sabem o que está ocorrendo. Sempre existiu tendência repressiva contra as obras de arte que espelham a realidade social. Assim, os problemas sociais são atacados na sua expressão artística e não mais nas suas causas efetivas.
Ligo para algumas pessoas, encontro outras. Pergunto o que acham da proibição dos diretores de redação no que se refere aos comentários sobre informação subliminar, hipocrisia, falsa moral, repressão, bullying, hegemonia, xenofobia e totalitarismo. Não são poucos os que se espantam. Todos os que se pronunciavam sobre a censura aos meus textos iam levantando algumas pontas dos véus negros que costumam cobrir esses atrapalhos do poder.
Uma amiga, escritora e jornalista, diz que ficou surpresa com a proibição e questiona a forma do enfoque e a constante exposição das cenas violentas na televisão, a exemplo do massacre em Realengo, no Rio de Janeiro. Porque deveriam aplicar o mesmo critério, “mandar apreender toda a grande literatura mundial, em que os autores descreveram situações que envolviam figuras infantis, desde um William Shakespeare, passando por Lewis Carroll até Wladimir Nabokov.” Isto não é nada, comparando-se a todos aliciadores que manipulam meninas de 9 anos nas esquinas do Brasil. São as cenas reais e terríveis que muitos pais fazem vista grossa pela fome de pão e aconchego, retrato da “indústria da carência”. Nem tanto erudito, mas sensato, acrescento que nem a Bíblia, na chamada Vulgata Latina, escaparia de condenação, já que “nem a língua casta de Jerônimo disfarça o tratamento obsceno com que foram violentados os anjos em Sodoma ou o lenocínio de Mardoqueu, no Livro de Ester.
E vejo na proibição uma ação profundamente farisaica. Para o psicanalista Hélio Pelegrino, “a tarefa do escritor é trabalhar a língua em nome da comunidade” e esse ofício “deve ser estimulado e garantido pelo Estado, através de uma absoluta liberdade de expressão”. De outro lado, não foram poucos os que viram nas cenas de seminudez, nos reality shows e novelas surreais, jogos sensuais e narcisismo exacerbado, ou a forma gratuita, além de normal, de temas como a gravidez precoce entre outros.
Imoral, acima de tudo, é a intolerância. Trata-se de um tiro no pé, pois a sanção volta-se contra a intolerância e consagra a liberdade de expressão. Não temos lembrança de quem proibiu Joyce, Flaubert, D.H. Lawrence, Proust, entre outros casos famosos. Mas os censurados tornaram-se inesquecíveis.
A reação dos públicos leitor e telespectador brasileiro tem sido a solidariedade. País de fortes tradições católicas, parece haver um consenso que leva a dar atenção ao que sofre, confortá-lo com a nossa piedade. É claro que são de diversa natureza os motivos que levam o público a procurar o que foi proibido, desde os tempos imemoriais do paraíso terrestre, onde o fruto proibido era o mais apetecido (e continua sendo), mas no geral constata-se uma atenção toda especial para com o censurado. Ao contrário do que poderia esperar a censura, o livro ou cena de novela adquire um charme adicional com a proibição. O estigma funciona ao contrário.
Como se vê, os critérios são vagos e são os costumes que realmente cumprem a função de interpretar as leis. Uma curiosidade cruel: essas diversas censuras sempre perseguiram os contemporâneos, excluindo, por norma, os clássicos. É claro que a história não demora muito a transformar contemporâneos em clássicos mas, enquanto isso não ocorre, nenhum espírito por mais conservador que seja, vem a indignar-se quando lê a palavra whore ou bitch (“puta”) em Shakespeare.
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