Utiliza-se o discurso progressista como forma
de se proteger contra ele
“A vanguarda brasileira é moralista. Trocou o convento pela célula política”, disse certa vez a filósofa Marilena Chauí. Mais de uma vez, eu disse coisa parecida. Mas, como só se permite fazer a crítica do discurso competente com a competência de títulos universitários e eu não os tenho, sou acusado de “fobia das esquerdas” – conforme escrevi no meu artigo “Miopia Progressiva”, publicado nos anos 90, sobre os adoradores da cartilha de partido, da ciência e do Estado.
De modo que me vejo obrigado a retomar uma entediante discussão – que eu já julgava superada – para explicar que fazer críticas à esquerda não significa automaticamente ser de direita. Antes de tudo, critico as esquerdas com a maior consciência, justamente porque elas dizem destruir o poder opressor quando, em geral, o estão instituindo em novos moldes. Além disso, dedico especial atenção às esquerdas porque no interior delas e não das caquéticas direitas é que se estão desenvolvendo os debates mais inteligentes sobre nosso tempo. Mas autodefinir-se de esquerda não significa, necessariamente, garantia de progressismo. Ao contrário, frequentemente, dizer-se de esquerda é um jeito de ser camufladamente conservador: utiliza-se o discurso progressista como forma de se proteger contra ele.
Não pretendo com isso, dizer nada de novo. Há muito tempo se conhecem críticas, por exemplo, à esquerda marxista que criou deuses materialistas como o Estado, novos papas, santos e beatos, mais de uma bíblia, além de legiões de teólogos e exegetas bíblicos – tudo no melhor estilo ópio do povo que os marxistas tanto execraram nas religiões.
Portanto, não existe um sistema coeso chamado “esquerda”, simplesmente porque esquerda e direita são conceitos muito relativos e é muito fluida a fronteira entre ambas. Atitudes revolucionárias de trinta anos atrás podem ter uma conotação perfeitamente reacionária hoje em dia. E nossas pretensões esquerdizantes com certeza estão cheias de componentes direitistas. A gente ainda vai comer muito gato por lebre, se continuar acreditando na falsa dicotomia direita-esquerda.
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