Pular para o conteúdo principal

Na vida, paga-se inteira!





“Pra que cara feia?/ na vida,/ ninguém paga meia.” Começo o nosso bate-papo parafraseando o hai-kai simples e filosófico do Paulo Leminski, pensando com os meus tostões. Em certos momentos, você sente vontade de fazer um levantamento do que gastou até os dias de hoje.  E você , já pensou em fazer uma lista? Nunca pensou nisso? Pare para pensar e diminua o ritmo de tarefas no dia-a-dia e leia essa numérica crônica, ou prestação de contas, a quem?
Antes de você nascer, lá no laboratório de análises, seus pais começam a pagar para comprovar a sua existência. É a primeira despesa de seus pais na sua vida. Depois, no hospital, seus pais pagam antecipado, pois o plano particular de saúde cobre apenas 50% das despesas, para garantir um quarto, o parto e o bom atendimento adequado, a luz, a água, o primeiro banho em altas doses de uma conta bem maior. Sem falar no número de fraldas, a decoração do quarto, o primeiro berço. Apenas o cartório te oferece um número de registro. Mas esses, de uns tempos para cá, não contam.
Na escola, você tem que comprar o material da lista, pesquisar os preços, paga a camiseta da escola, a calça e a bolsa personalizada. Acrescenta a excursão de férias em julho, entre outras atividades que você deduz no fundo de pensão de investimento a longo prazo. Você não pode esquecer da van que busca e entrega a(s) criança(s) na porta de casa. Do tênis e da camisa do time favorito, e dá-lhe mais uma marca na agenda.
No cursinho pré-vestibular, você tem que pagar se não eles não estudam em casa.
Depois, vem a vez de tirar o RG e o CIC. Outros números a acrescentar nas despesas. E com dever de pagar uma meia dúzia de fotos, ainda por cima.
Vem o pedido para tirar as carteiras de motorista e moto. Lá em cima, indefectíveis, outros números para gente martelar.
Mas, a coisa não para por aí. Entra na empolgação da Internet e você tem que arranjar e conhecer números e siglas nunca dantes imaginados. Precisa saber diferenciar um “mac”, um “apple”, pelo inglês que você apenas arranha, sabe que tem maçã no nome de um “PC” de 4 gigabytes de memória, que leva um “HD” de 500. Jamais poderia imaginar que, para trabalhar, teria que memorizar códigos, siglas, números. Às vezes, sinto-me apenas um número e tantos dígitos.
Continuo pensando em meus números, com os meus botões. E você, quantos números você é? Nunca pensou nisso? Pare para pensar  ou então vamos refletir sobre os cálculos.
Mais um para o celular modelo última geração. E tem que separar e reservar uma certa quantia para os imprevistos, a exemplo de um braço ou perna fraturado, outra para os aniversários, excursões, churrascos beneficentes. Sem falar nas compras de roupas, calçados, acessórios, conforme a estação e as tendências da moda.
E você tem que somar muito bem as suas despesas de investidor com mais um número. Para não ir além dos limites do cheque e do cartão de crédito.
Se quiser fugir do país de tantos números, precisa de mais um: o do seu passaporte, da mulher, dos filhos e do travel check como garantia de entrada em outro país. Mas não se esqueça antes de fazer um seguro funeral, para garantir que a terra lhe será leve e, você poder descansar em paz.
A única certeza que você tem e, não pode correr ou prorrogar o dia fatal de sua morte, porque a sentença foi protocolada e assinada em duas vias, da ida e da volta. Assim, você, meu leitor e minha leitora, encerrará um dia o seu débito com o banco da agência da providência e, não previdência, divina. Sei que você dirá perplexo: - Nossa que crônica numérica fúnebre, parece um urubu de luto na porta da previdência!


  

Comentários

  1. Verdade, Rubens: é uma numeralha do começo ao fim, tanto para a identificação quanto para o gasto. Viver é pagar alguma conta o tempo todo, sob o crivo da dona Receita, que a tudo vê, pode, faz e acontece. Rs rs

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na