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Nascente





Foto de Xanirish








Para Ellen





Com ternura, que tanto o inverno
estimula a fornalha
do amor de jovem
pelo vão de tua boca molhada de cacau
Ouça estas palavras, numa voz quente:
“seiva que flora e flor que cresce”,
pela língua ácida de Verlaine,
uma nesga, uma nascente na mata.
Deixa meus dedos nesse musgo,
Onde o botão de rosa brilha.
Deixa que eu nessa erva clara,
Vá beber as gotas do orvalho
Com que é regada a tenra flor
de antúrio.


Teu corpo tem o encanto turvo,
Teu corpo forte que embebeda
Que estranho perfume ele tem,
exótico, pelo vão da boca.


II


Me encanta vossa boca e seus jogos
graciosos, os da língua, os dos lábios e ainda
do tremor dos dentes, palafitas de teu palácio,
tal como uma gata angorá,
entre os quais roça as matas
e lava a alma crescente
meu viril orgulho.
Por isso, manhã d´alma quero nunca
sair dessa fenda nascente
do capim molhado do vale.



III


Das plantas aos dedos, chupados um a um,
aos tornozelos, aos lagos de veias lentas,
pés mais belos que os pés de estátuas gregas
por onde ando e aventuro em teus mármores
roliços como monumentos idolatrados
de apóstolos e heróis,
e corada, você sorri com inocência
teus murmúrios e sussurros
repercutem no vento.


E nesta cabeleira selva escura, pulsa em chamas
quando coloco o pensamento
pela noite lenta.
Por isso, minha amada amante
quero nunca sair dessa fenda e risca
juvenil sob a pele em caldas
tem um perfume de madeira,
linda as tuas presas de caranguejo fresco.



IV



Cara almofada de vinco profundo
para o rosto
coxas, com a graça ravina rósea
algo sombria,
onda ronda o desejo enlouquecido,
do sexo, onde chegam as mãos,
depois de errar
sem rumo!
Nádegas, irmãs dos seios
com olhos tesos e fixos,
só que mais naturais, camaradas
e sorridentes, pois, todo o monte império
consiste em serem formosas.






(Este poema faz parte do livro Cobra de Vidro, 82 páginas,
edição independente, ProAC, São Paulo, 2012.)


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