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Re-visão e Planos para a Literatura












Faltam políticas públicas, registro histórico, tradição, memória e bairrismo






Desde o final dos anos 50, ocorriam alguns pequenos lançamentos esparsos de livros de escritores e poetas, mas era visível que a maioria publicava apenas por um desejo e vaidade pessoal, sem o propósito de produzir um trabalho sério e de maior qualidade literária. O estilo que predominava nas obras poéticas era uma mistura de parnasianismo com toques de romantismo.
Nos anos 70, o que, particularmente, chamou-me a atenção foram os livros “Entre Lágrimas e Risos”, crônicas de Tito Júnior, advogado e radialista, publicado pelo mais antigo jornal diário da cidade, com doses de humor e crítica aos costumes, o provincianismo vigente, os hábitos e a tradição aristocrática da cidade e “Onde Está a Liberdade”, de José Caetano da Silva, sociólogo e professor de história, um dos poucos defensores da liberdade e da democracia, em Presidente Prudente e região, no período ditatorial, após a aprovação do Ato Institucional número 5, de 1968 a 1980, que impôs a censura nos meios de comunicação e nas artes em geral.
Meu pai, o jornalista, radialista e publicitário Rubens Shirassu publica suas crônicas, desde 1958, nos jornais Correio da Sorocabana, de Gabriel Octávio de Souza, A Voz do Povo, de Camel Farah, ambos já falecidos, O Imparcial, de Deodato da Silva, Mário Peretti (in memoriam) e Adelmo Vanalli e o Diário de Presidente Prudente, do empresário e ex-prefeito Agripino Lima. Organizei e reuni suas crônicas no livro “A Vida e o Tempo”, ainda inédito.
O Imparcial, um tradicional jornal impresso, editou a coleção “Memórias de um Picadeiro”, de João do Mato, em quatro volumes. Já o Museu e Arquivo Histórico Prefeito Antônio Sandoval Netto, através de sua diretora Maria de Lourdes Ferreira Lins resgatou alguns nomes significativos da cultura prudentina, entre eles, o do violinista Eurico Bendrath na coleção “Cadernos do Museu”.
Era muito visível a divulgação das artes plásticas, como as exposições dos pintores Kinia Ikoma, com seu abstracionismo lírico, as aquarelas de Takeo Sawada e o estilo acadêmico nas paisagens mortas de Maria Neuza Rotta e José Botosso, além da crítica social nas técnicas múltiplas de Cirton Genaro.
A partir de 1978, começam a surgir os pontos de encontro dos apreciadores de boa cultura e reflexão, que sentiam também sufocados pelo regime político, a exemplo da UNESP (ex-FAFI), Cantina da Tia Eva, nos bares como o Avelino, Toca da Raposa, do Manu Merselian e Clube da Esquina. Nestes locais, era típico ouvir a música instrumental brasileira e internacional tocada nos violões de Mitio Guibu e Guto Crepaldi. Infelizmente, estes pontos tiveram vida curta em razão de seu estilo e proposta estarem muito avançados para a época. Acrescente-se, também, o Cine Clube da UNESP, nas dependências do extinto Cine Fênix ou Cinerama, na Rua José Foz, esquina com a Rua Barão do Rio Branco, no centro de Presidente Prudente, onde exibiam os filmes, na linha Cult, dos famosos diretores do cinema europeu.
Há 32 anos, o diretor de redação Irani de Souza e Luiz Roberto da Cruz, ambos jornalistas do extinto Diário de Presidente Prudente, aprovaram a produção de textos sobre cultura em geral, o que se chama hoje de jornalismo cultural. Assim, inaugurei o caderno de cultura e entretenimento com a matéria “O Teatro em Busca de Um Espaço”, em coautoria com Luís Antonio Carneiro, entrevistamos os teatrólogos Max Gatto e Paulo Trevisani Júnior, que pertenciam ao grupo de teatro Sousândrade. Junto com Carneiro, escrevemos a quatro mãos o ensaio “Cultura e Colonialismo” publicado no jornal Diário e, posteriormente incluído no livro “Religar às Origens”, de minha autoria.
Gatto e Trevisani editaram uma pequena antologia com o apoio de Laerte Bueno Júnior, que se chama “Poesias”, onde participam, entre outros, José Carlos Cabral, Dante Gatto e o diretor de teatro Paulo Beloni.
 Mário Paulo lança o informativo Alquimia Bar publicando críticas e sugestões dos habituais frequentadores do Alquimia Bar.
Entre 1990 e 91, Mário Paulo, proprietário do Alquimia Bar, abriu espaço para leitura de poemas no palco improvisado de seu bar, à noite. Certa vez, reunimos um grupo de poetas, entre os quais, eu, Rubens Shirassu Júnior, li o poema “Relatório do Mundo Lacrado”, incluído no “Cobra de Vidro”, Afife Salim Sarquis Fazzano, Maria Aparecida de Souza, Ivete Abade, entre outros, que pertenciam ao quadro da extinta Casa do Poeta de Presidente Prudente. Essa entidade utilizava uma sala emprestada na antiga Biblioteca Dr. Abelardo de Cerqueira César, na Avenida Washington Luiz esquina com a Avenida Coronel José Soares Marcondes, no centro da cidade.
Por pertencer à diretoria daquela entidade, coeditei juntamente com os poetas Valter Rogério Nogueira de Almeida e Maria Aparecida de Souza três edições do informativo intitulado “Soro”, daquela entidade, promovemos ainda o ciclo de poesias da UBE (União Brasileira dos Escritores), de São Paulo, na gestão de Cláudio Willer, poeta, tradutor, ensaísta e resenhista. Dentro da gestão, promovemos a palestra “Cultura e Sociedade”, ministrada por Zizi Trevisan, ensaísta e doutora, uma promoção da Casa do Poeta, realizada no auditório da Biblioteca Dr. Abelardo de Cerqueira César, da Prefeitura local.
Houve um aumento progressivo no hábito e consumo de livros de 2004 para cá, porém, ainda se percebe que à classe dos escritores e dos poetas de Presidente Prudente e arredores, falta consciência de união da área. Mas, ainda pairam fragmentos vagos no perfil da história da literatura de Presidente Prudente, por falta de tradição histórica e, acima de tudo, de uma maior divulgação e valorização de seus ilustres artistas esquecidos.
Acredito, se houver consenso, seja elaborado um projeto e encaminhado aos vereadores interessados e comprometidos com a evolução da cultura em geral, após a aprovação de uma lei que inclua a história da literatura de Presidente Prudente, no cronograma curricular das disciplinas de Literatura, Língua Portuguesa, Geografia e, principalmente, História local, que o mesmo seja inserido no calendário da rede municipal de ensino, em parcerias com a Secretaria de Educação e Delegacia de Ensino de Presidente Prudente. Seria primordial incluir o projeto dentro de um eixo “Memória Literária” do Plano Municipal de Cultura. Isto, desde início no pré-primário até os ensinos médio e fundamental.
Sem marcar data, no decorrer do tempo, as novas gerações valorizarão a cultura da cidade, conhecendo a sua história literária e dispor de  uma identidade, uma referência maior para suas pesquisas individuais e, naturalmente, surgirão os seguidores que consomem os livros (produtos) da velha e nova geração de escritores, poetas, cronistas e ensaístas da cidade.
Quanto ao problema de incentivo aos produtores locais, com o apoio da Secretaria de Cultura em parceria com a Associação Prudentina dos Escritores (APE) o ideal será desenvolver oficinas e workshops para o aprimoramento e a atualização dos mesmos. Seria imprescindível, incluir as fases “iniciante”, “médio” e “avançado”, para que os instrutores das oficinas elaborem os programas de aulas de acordo com a cultura e o grau de aprendizado dos participantes/alunos.
Numa outra vertente, que segue paralela ao trabalho da Secretaria da Cultura da cidade, por sua atuação e papel importante na difusão, coletar os dados históricos referentes às contribuições da Oficina Cultural Regional Timochenco Wehbi, às áreas de literatura, música, desenho, dança, teatro e artes plásticas, para Presidente Prudente e as regiões oeste e sudoeste do Estado de São Paulo.





Comentários

  1. Oi Rubens, muito bom o teu trabalho. Morei em Presidente Prudente de 1979 a 1998, quando deixei de ser bancário (Banco do Brasil de Presidente Prudente) e me tornei professor (Universidade do Estado de Mato Grosso em Tangará da Serra). Estou com um projeto similar ao teu: “Para uma historiografia da literatura tangaraense”. Podemos trocar experiências, se for do teu interesse. Em 1990, quando ainda morava em Presidente Prudente fui premiado no projeto Oswald de Andrade de Dramaturgia. Meu trabalho está no site dramaturgia contemporânea: http://www.dramaturgiacontemporanea.com.br/artigos.php?art=1&autor_id=59

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  2. Bom dia, Dante. Agradeço as suas palavras elogiosas e incentivadoras! Prazer em revê-lo, apesar de ser no virtual. Muito bom saber que está desenvolvendo um projeto de resgate histórico e cultural em sua cidade. Claro, podemos conversar, sim! Vou clicar no link e navegar na página. Um grande abraço!

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