A LETRA
DA LEY
Glauco
Mattoso
Série Mattosiana Volume 4
Coleção Dix Editorial
Editora: Annablume
Edição: 1
Ano: 2008
Idioma: Português
Especificações: Brochura
144 páginas
ISBN: 978-85-7419-854-5
Peso: 248g
Dimensões: 14 x 21 cm
São Paulo - Brasil
No volume
4 da Coleção Biblioteca Mattosiana, indicado como finalista ao prêmio Jabuti
2009, na categoria poesia, o paulista Glauco Mattoso apresenta dois ciclos de
sonetos temáticos, dedicados à "Lei de Murphy" e à história do rock.
Na primeira parte, o poeta traz
situações do cotidiano moderno, impregnadas de probabilidades pessimistas. Já
na outra, o autor faz uma releitura da contracultura musical, citando os
principais intérpretes e compositores do gênero mais anárquico e, ao mesmo
tempo, mais comercial da história das artes: o rock.
Nos Rastros de Glauco
Os primeiros livros de sonetos de Glauco Mattoso,
publicados entre 1999 e 2000 por pequenas editoras, são Centopéia - Sonetos Nojentos & Quejandos, Paulisséia Ilhada —
Sonetos Tópicos, Geléia de Rococó - Sonetos Barrocos e Panacéia - Sonetos
Colaterais (Nankin Editorial, 2000), todos eles marcados pela podolatria
(adoração fetichista aos pés), sadomasoquismo e humor fescenino (a sátira do
erotismo).
Bibliotecário de formação, Mattoso
organizou seus sonetos em séries, abordando temas como a culinária, o cinema, a
geografia, a política, a religião, entre outros. Seguindo uma sugestão de
Augusto de Campos, o poeta inovou também na forma do soneto, especialmente no
livro Panacéia, trabalhando com
estrofes de dois, três, quatro ou cinco linhas e versos com diferentes números
de sílabas.
Em depoimento ao jornalista Ubiratan
Brasil, o poeta paulista Glauco Mattoso diz que seus sonetos debocham da
seriedade e da falta dela, mas não disfarçam uma incontornável amargura, pois
acredita que a literatura mais autêntica tem de refletir a vida do autor e,
confirma ser um incorrigível revoltado com as injustiças (humanas ou divinas)
de que foi vítima e também de outros desfavorecidos. “A cegueira me acentuou
essa percepção pessimista do mundo, mas também acho que o poeta, como bom
fingidor, tem de rir da própria dor e da dor alheia, como já comentou Cacaso a
meu respeito. Quando indagado se ser escritor define um tipo de identidade ou seria
apenas um ofício, Glauco diz que no seu caso, como escatológico, “dá para dizer
que ser escritor é ser excretor...” (risos) Mas, brincadeiras à parte, apenas
um ofício, ressalvando ao tratar da arte, os ofícios não dependem só de
técnica, mas também de criatividade e da
sensibilidade.
O poeta prova ao contrário do que
acreditam os mais radicais ao não abolir a rima ou a métrica do verso. Ele
preferiu manter a forma e bagunçar dentro das regras, quer dizer, transgredindo
pelas entranhas e profanando pelo fundo. “Acho, aliás, que o desafio é mais
gostoso quando a gente mantém a dificuldade de seguir as regras rígidas para
desmoralizá-las no espírito de “nobreza” que pretenderam instituir.” - frisa
Mattoso.
Sua obra convive com os extremos: a
escatologia e, no outro lado, o experimentalismo poético, o que demonstra a sua
fascinação pelo paradoxo, pelo oximoro e pela antítese, pois declara que o ser
humano mostra-se contraditório em toda a existência. Sua experiência de
enxergar o mundo exterior e, após a perda da visão, Glauco aprendeu a conviver
com o claro e o escuro, o certo e o errado, o prazer e a dor, o belo e o feio,
entre outras dualidades. Hoje, sabe que o poeta reúne desde o mocinho, passando
pelo bandido, do bonzinho até chegar à parte do maldito rebelando-se contra a
reforma absurda e autoritária da ortografia e da gramática.
Atualmente, é um dos mais conhecidos
poetas brasileiros e já se apresentou no Clube de Leitura de Poesia, do Centro
Cultural São Paulo, que também publicou uma plaquete com seus poemas, O Cinéphilo Eclético, na coleção Poesia
Viva, distribuída gratuitamente ao público no CCSP, na Casa das Rosas e na
Biblioteca Alceu Amoroso Lima.
Seus temas controversos representam
uma barreira entre Glauco e um possível público maior, o que parece não se
importar. “O Millôr Fernandes me disse uma vez: ‘Você tem todo o potencial para
ficar famoso, ser tão conhecido quanto um Paulo Coelho, ou um destes
roteiristas de novela’. Mas a questão é que eu não quero sair destas verdades
da minha vida”, diz o poeta, que se recusa a assinar contrato com grandes
editoras para não ficar amarrado e preso pela exclusividade.” – declara a
jornalista Marília Kodic.
Apesar das azarações, um fato
metafísico e homeopático, como declarou em entrevista, contribuiu para que
Glauco motivasse a continuar no árduo ofício de escrever. Jorge Schwartz,
professor de literatura hispânica da USP, o convidou para traduzirem juntos
para o português o primeiro livro publicado por Jorge Luis Borges, Fervor de
Buenos Aires. De um lado, Schwartz dominava o idioma espanhol, do outro, Glauco
encarregava-se da parte poética. O trabalho acabou rendendo aos dois o Prêmio
Jabuti de 1999.
Assim, misturando libertinagem com
erudição, o aspecto mais característico de sua obra, Glauco Mattoso produz
incansavelmente, muito mais do que quando enxergava, bateu todos os recordes
conhecidos. “Fiz mais sonetos que Camões e Petrarca, mais que Luís Delfino, o
recordista brasileiro, e mais que Giuseppe Belli, um italiano do século 19 que
compôs 2.279 sonetos. Eu já estou com mais de 4 mil. Se tivesse um Guinness pra
isso… Deve ter, mas eu não vou atrás” - finaliza.
Toda sua produção de sonetos pode ser encontrada no site:
SONETO PARA UM ENUNCIADO
AMANTEIGADO
Com muitas variantes se enuncia
a velha lei de Murphy: “Se haver pode
a probabilidade, uma fatia
que seja, de foder, a coisa fode.”
Por outras palavrinhas: “Quem se fia
na chance de dar certo, tire o bode
da chuva, ou o cavalo!” Já dizia
o calvo: “Quem faz barba, faz bigode!”
Inútil discutir: o pão do pobre,
do lado da manteiga que o recobre,
na certa cairá, voltado ao chão…
Duvidam? Quantas vezes for jogado,
de novo vai cair no mesmo lado
e a Murphy acabará dando razão…
(Página 8)
SONETO PARA O QUE SE ACHA PERDIDO
Se alguém, legisla Murphy, anda à procura
dum troço pela casa, ele estará
naquele lugar onde a gente jura
que nunca estar podia, e raiva dá.
Pior: leva um tempão e, a certa altura,
podemos desistir… e, quando já
não era mais preciso, a diabrura
do troço é aparecer! Ah, porra, vá…!
Pior ainda: quando urgente, a gente
correndo compra um novo. Então, na frente
do nosso nariz, surge o troço antigo!
Pior, muito pior: comprado um novo,
sem uso fica e, como diz o povo,
“Desgraça pouca…” Eu nunca contradigo.
(Página 10)
SONETO PARA UM ÚLTIMO QUE NÃO RI
Apenas Murphy explica: a outra fila
mais rápido andará do que esta minha.
A coisa vale para uma tranquila
espera ou quando o público se apinha.
No banco ou no correio, onde se opila
meu fígado, anda a fila que é vizinha
à minha, mas a minha até segui-la
demora: aqui mais lento se caminha…
Dirão vocês: então de fila troque!
Aí que a lei funciona: se a reboque
daquela eu me puser, vai ser batata…
A fila em que eu estava passa a andar,
enquanto que esta para ou, devagar,
meu passo avança… e o tempo assim se empata.
(Página 11)
SONETO PARA AQUELE ARTIGO
SOBRE A LEI DE MURPHY
Se a gente uma matéria acha importante
guardar, mas não recorta logo e deixa,
é tiro e queda: que ninguém se espante
se foi pro lixo, sob a podre ameixa…
Agora é tarde! Caso alguém levante
a voz para a empregada, a inútil queixa
se perde em meio a tantas que, na estante
das obras murphológicas, se enfeixa…
Se algum amigo tinha um exemplar
guardado da revista, de jogar
no lixo o dito acaba, ele também…
Aquele que você certeza tinha
que o texto guardaria… Já adivinha:
rasgou-se nas mãozinhas do neném…
(Página 12)
SONETO PARA O CONTRATEMPO ROTINEIRO
Horário, para Murphy, imprevisível
será: com um relógio, o cara aposta
que sabe as horas, mas, com dois, falível
se torna a precisão de que ele gosta…
Divergem nos minutos ou, no nível
suíço, nos segundos: a resposta
exata, essa jamais será possível
saber, e tanto faz a joia e a josta…
Se tem hora marcada e chega em cima,
os outros é que atrasam; caso o clima
lhe cause o atraso, a turma é pontual…
Acertam-se os ponteiros, mas, no dia
seguinte, ele não sabe em qual confia,
se a hora certa nunca é tal nem qual…
(Página 13)
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