Crítica destaca livro de prudentino
Silvério
da Costa
“Cobra de
Vidro”, de Rubens Shirassu Júnior, é um livro cuja poesia trajada a rigor, foge
do convencional para inquietar e encantar o leitor com as sua ousadas
ambivalências, fazendo-o refletir sobre o tudo e o nada existencial, numa
linguagem densa, surrealista, em que se sobressai o pessimismo, seria niilismo?
E o brado de revolta contra as injustiças de todos os quilates e latitudes, que
nos são impostas por tudo e por todos os hipócritas de plantão, que não têm
nada a ver com a realidade da vida.
O seu discurso poético tem uma
conotação polissêmica ao falar da vida e da morte, do céu e do inferno, da dor
e do prazer, do mundano e do sagrado, do terreno e do transcendental, do certo
e do errado, enfim, do culto à natureza que tem nos pássaros e nas cobras os
seus representantes maiores. A presença de OROBORO, a serpente que morde a
própria cauda, num movimento circular, denota ação e fluir constante, como que
a nos dizer que nada é estático na natureza, mostrando os antagonismos que
contaminam a humanidade e de como é feita a vida e a condição humana, por
intermédio de uma poesia quase que escatológica.
Rubens Shirassu Júnior é um poeta de
grande envergadura artística que estripa as vísceras da falsa moralidade
ostentada por uma sociedade cínica e petrificada nos seus velhos e tradicionais
(pré)conceitos.
“Cobra de Vidro” é, pois, um livro
que traz como teor poético a circularidade e o desencanto existencial, atiçando
as fagulhas que põem fogo na arte de poetar, levando o leitor a refletir sobre
a alquimia que transforma a inquietação humana em poesia, usando, para tanto, o
cadinho da percepção aguçada e da sua compreensão do mundo que o cerca.
Enfim, ele nos brinda com um
conjunto de poemas prolixos que buscam refletir sobre o possível sentido para a
vida, que não tem sentido, pois o sentido é um elo perdido que mora no fundo,
sem fundo, do universo, ou, como diria Kafka, “O sentido da vida é que ela
termina.” E muitos não tomaram conhecimento disso, digo eu. Parabéns! Vejam...
Negros Galhos que Abrem Sob a Chuva
Depois
de todos os encantos idos,
lhes
chega a tormenta,
em
voo silencioso
Coruja
triste que só faz o pouso
no
oco dos velhos
troncos
roídos
Oh!
O silêncio de sala de estar, espera
Onde
esses pobres, guardachuvas
lentamente
escorrem...
Não
traz venturas, certamente
Mas
dá grande desconforto...
E
em verdade pergunto:
Onde
está o calor das coisas
na
rua, ao desabrigo?
Tu
verás que tudo é sombra vã,
Tênue
fumo que a morte assopra
num
momento da agitação
da
vida.
Uma
canção que não tem sentido,
como
não tem sido a brisa,
nem
a vida...
Perdido,
perplexo diante do cinema
projetado
em teus olhos mudos,
imagens
que desfiam a tua carne com dentes
cinza
chumbo,
Imagem
doméstica
do
gato, que mora no mundo
para
sempre
por
entre antigos retratos de parede
Os
teus olhos conseguem ficar
longo
tempo abstratos
às
vezes, você fixa os objetos,
obstinados
porque
eles se desumanizam de todo.
Vestes
de trevas e vidrilhos.
Cabeleira
trágica. Olheiras suspeitas.
O
grito horizontal da boca
surgiu
da noite e
sumiu
pela última porta as suas
lentes
abismais
Por
que crias a figura do lascivo,
essa
tal doçura?
E
faz do bem um fruto amargo
e
indesejado?
na
inquietação feliz do purgatório mental,
no
eclipse do mundo,
negros
galhos que abrem sob a chuva.
Cantiga para Mim e Nietzsche
O
hóspede incômodo
arromba
e devora o interior
da
casa na ordem do dia
Como
um vento, arrasta
retalhando
a vida
no
verão dos dentes enfurecidos
Maquinaria
animália
face
encarnada
na
transitória passagem
da
noite, impressa de sangue,
dor,
solidão e desemprego
O
poeta anda errante
pela
Avenida das Esfinges
correndo
da máquina
devastadora
II
O
poeta vive para morrer.
O
poeta anda na contramão
Vomitando
com a órbita vazia
sete
estrelas claras nesse charco
de
líquidos corpos empoçados
(Bukowski
verde bílis néon)
Há
desgosto e música na atmosfera
de
engrenagens e igrejas.
Denunciando
tua agonia ao piano
desarticulado
Seu
sapato está cheio de buracos
Sua
roupa debaixo
São
hábitos nada ortodoxos.
O
poeta espera quando
o
pêndulo do relógio sangrar.
A
noite como um baralho elétrico
vibra
o rosto sobrenatural
nos
telhados amarelos
O
tédio se desprende na alucinante
língua
azul da madrugada.
Ele
vem rolando
por
escadas infinitas
Ninguém
olha este passageiro
no
legado do mundo delirante.
Cobra de Vidro
A
serpente morde o rabo
movimento
do (re)ciclar
expressão
das camadas
baixas,
subterrâneas, faíscam, vidrados
dentro
da caverna, a bolsa
arco-íris
do pulsar
da
natureza das espécies
ovíparas,
signos dos ovos, óvulos
encanta
olhares flamas, vidrados
pelas
ruas pontas da língua.
Tao
sombra chinesa, bem, mal,
beleza
que serpenteia,
disfarça
o instantâneo das lentes,
a
mecânica do desejo,
em
câmera lenta do teu silêncio
que
precede o bote,
e
se transforma esfinge.
A
linha da fronteira se rompeu
a
espiral do labirinto,
da
sociedade, vida
roda
rodando o mundo
redonda
redunda a serpente
e
o pensar
dos
contos das contas
de
vidro, a cobra
de
cores fortes e vivas.
Rubens Shirassu Júnior
(
Jornal SulBrasil, Ano 20, Edição 6.047, item Opinião,
Coluna
Fronte Cultural, Página 2, quinta-feira, 24
de
julho de 2014, Chapecó, Santa Catarina. )
COBRA DE VIDRO
Rubens Shirassu Júnior
Poesia
Contemporânea
Literatura
Brasileira
82
Páginas
Edição
do Autor
ISBN
978-85-913167-0-0
Por
apenas R$ 25,00
São
Paulo
2012
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