O
crepitar das cascas torna-se mais constante e alto
A gente se
sente igual a velho quando é objeto de caridades odiosas, como a ocorrida
comigo e a Tatiana. O metrô estava cheio. Estávamos pendurados no corrimão.
Notei então que uma jovem de uns 25 anos me olhava com um olhar piedoso. E
houve alguns instantes de alegria fraternal em nossas cabeças e coração. Até o
momento em que ela se levantou sorridente e me ofereceu o seu lugar. Foi um
gesto de bondade. Com o seu gesto ela me diz: - O senhor me traz memórias
ternas do meu avô.
Homero e Tatiana seguram com as mãos
pesadas e firmes o corrimão do transporte - úmido, gorduroso e pegajoso. E os
olhos olham para baixo e dos lados, para medir o tamanho dos degraus e a
posição dos pés. Mas no dia em que os pés de Tatiana começaram a travar, sua
cabeça compreendeu que os pés, já não sabiam como conheciam antes. Agora,
primeiro é preciso o corrimão. Em segundo lugar virá a bengala e,
complementando, a cadeira de rodas, infelizmente, não portáteis, que a carrega por
onde a gente vai.
O casal senta-se na parte central,
os pés sobre pó de serra, pipoca e papel de bala. Alheios às sombras nos vidros
embaçados e sujos de fuligem, enfrentam a longa jornada rumo ao centro e também
a volta da cidade. Nos rostos, o bafo quente do lotação; entre casal suspeito e
velho pervertido e o seu espaço sufocado de atuação. Entorpecido de álcool e do
ar corrupto, o velho cabeceia na cadeira dura. Uma voz melíflua pede-lhe
docemente licença, enrosca-se no joelho de Tatiana - de todas as cadeiras
vazias escolhe a do lado. Sonolenta, ela mal sustém a pálpebra aberta. Mascando
e soprando a goma de bola, o mocinho, distraído com as músicas chiadas do fone
de ouvido do celular, a explode com lambida obscena e brusca na face angelical,
branca e macia de Tatiana. Pela sua agitação e falatório incessante, o
interesse do público é mais limpar as mãos pegajosas e tontas nos corrimões do
veículo de transporte.
Patinhas de mosca na face, Homero
espanta-a com a mão. Mosca não, o óculo brilhoso da criatura grudada no seu
rosto: uma ruiva de voz rouca sentada ao lado. Dobra a perna direita roliça,
roça-lhe com o pé esquerdo tentando lhe descalçar o sapato. Ela, a ruiva,
arranca-lhe brutalmente o sapato modelo vigia de banco. Imagem na cabeça da garota:
- Não é assim, meu amor, assim não. Prestes
a levantar-se, Homero enxuga a mão no joelho.
À
sua frente cochicha o moço sobre a atitude da ruiva com o vizinho, que deixa de
assobiar. Homero não se ergue do banco. Pisoteando cascas, em passos de leve
pluma, o novo passageiro instala-se duas cadeiras na frente, revolve o pacote
de amendoim, chupa frenético o dente. Rebenta a bola de chiclete, o estabanado
jovem de cabelo oxigenado, de brinco de pérola falsa na orelha esquerda,
esbarra nos joelhos de Homero e, entre as cadeiras vazias, senta-se ao lado do
chupador de dente. O crepitar das cascas torna-se mais constante e alto. Como
pedras nas telhas, das cabeças de Homero e Tatiana, caem como brasas nos
corrimãos, nos acentos e no piso do transporte. No peito dos dois, dói fininho
sete alfinetes de fogo.
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