Pular para o conteúdo principal

Dois poemas sobre Prudente





Ilustração de Rubens Shirassu Júnior









Prudente Ruminante Blues


Aos 97 anos da cidade




As casas iluminaram suas
milhares de pálpebras
ruas aos poucos bebem luz
devagar...
Céu virou coalhada de leite virgem,
entupiu-se junto, o poste amigado ao silêncio
A noite é o que sobrou na criação do mundo
apreciar os barulhos que não se ouvem sitiados
dentro das pessoas.
Os prédios entristecem
à-enxaqueca: passaram o dia calculando
Passa as horas decorando um hino fluvial.
As ruas enumeram casas
estrelas magras penduram-se
em postes boquiabertos
os prédios exageraram uma
altura só para comer as nuvens.
A treva ampla se relaxa pra
para engolir um segredinho.
Noite boa, contraolhos não volve a ninguém
o que finge? Os prédios
prosam entre as janelas
como sono comprido rebuscam
quantias de ar.
Aqui, as ruas fazem concurso
de barulho. Sábado: dia promovido.
As artérias acessam a todos,
gente namorosa com ânsias
de entradinha pra sensuar nos cantos
a luz cava uns finaizinhos
de noite escondidos.
O tempo, então, fica comprido
como caminhada ao horizonte...
um caos vem-te pegando
num telhado comendo a paisagem
enforcou-se num pensamento,
esqueceu a memória,
noite vem moendo o teu cérebro.
Pia no ar. dispersa-se,
as agências dos olhos se entopem.
Os olhos se penduram
num saco de palavras
velhas que o tempo vai levando.





Publicado na Página Inicial de Blocos Online, item “Busca Autores”, Busca: Poeta, Nacionalidade: Brasileiro, Autor: Rubens Shirassu Júnior, Tipo: Contemporâneo e clique no item “Busca Autor”.


Acesse e navegue:








Cartografia do Sonho Prudentino





Te vejo no melindre da língua
da história que se bifurca neste vale
sem tréguas, erma nas léguas
dos migrantes lavradores iludidos
pelo canto das sereias de néon da cidade:
queriam vencer na vida,
como fazendeiros do ar.



A língua aqui valia
a palavra dada
Sem papel escrito
Nem assinatura lavrada.
Levou o povo que sonha o vale verde
à vala comum.
Os frutos
colhidos ao tempo
Os homens
caiados no tempo
Os sonhos
caídos do tempo
O pesadelo diante de poucos tostões,
os horizonte ceifados pelas hélices
selvagens da máquina do progresso,
colhendo milhões de fardos, de café, algodão,
amendoim empacotado de São João
Fest, fabricado em série,
fora do alcance daquelas mãos, para o alto
vagam onde os vagões da vida
descarrilham.
Te vejo, homem da roça, suplicar uma providência
do divino, quem lembra? Prevalece, prefalece
vale onde me fundo:
alma e lama
do mesmo barro.



Cresce o poema sem adubos nem manifestos
onde a cerca de estacas cai aos pedaços,
apodrecida de esquecimento e pobreza.
Presidente Prudente, o que queres?
saliva ruminada de estábulos,
cuspe sorrateiro na cabeça de códigos
De orgulho, ostentação e etiqueta.
Exposição de dentes, de medalhas, troféus,
Títulos de nobreza, mas és (so)mente
Arcadas secas ao sol.



Presidente Prudente dos candelabros!
O poema se levanta da riqueza recusada
e verde é teu tempo onde para sempre
serás vão, vale a verdura das plantas
guardar-te às vivências elementares.



Te vejo Presidente Prudente
no voo rasante do povo
de alma de andorinha!
Se teu voo é de delícias doces,
etéreas, amargas, orvalhadas adentro
no céu do espaço inerte.
Andorinha que permanece livre
na vida do azul aberto,
solta e fogosa de ser,
agente da malandragem
buscando rebeldia interestelar.



Cresce a semente no vale verde
de alguns milagres de refeição
de reconciliação de amor perdido
em amor achado de Deus,
fechar as portas todas e deixar uma fresta
para a esperança do homem prudente
do campo, das palavras e suas metamorfoses
que atravessam de círculo em círculo,
de casas em casas e do mundo,
e as circunstâncias todas
que atravessam,
o sonho largo, longo
e fundo no fim da via:
na carne viva
do lavra (dor)
Lavrar inteiro do tempo
debaixo das unhas,
a terra debaixo das unhas,
na vida sobre a terra
e nas unhas vivas da morte
madura debaixo da terra.






(Páginas 59, 60 e 61, Cobra de Vidro, prêmio ProAc 2012, São Paulo.)







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na