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Brumal de Pés Esfolados













Mas, nesse instante, o abraço
vive, de apoio no meio de desertos
habitados temos cactos nos peitos
transpirados nascem flores
sob os prantos mudos
de cálices amargos sem a liberdade
de escolher seus tetos
projetando se enforcar.
Ressoando como a música de loucos
furando com a cabeça o céu sem traves,
mas pesado astro acrônico siderado
da lua salobre na design ação de Jorge de Lima
na imensa e intangível constelação
de estrelas pela distância.


E todavia a palavra trava na garganta
da grossa língua medrosa
do não falar.
A inação é a desculpa disfarce
dos comandados, dos religiosos e dos políticos,
como a demagogia, a irmã da hipocrisia,
que ruminam há séculos.


Existe o sol em várias constâncias
com seus cerimoniais de escusas fomes.
De que adianta limbos nascituros
sem reminiscências e sem atitude.
Como múmias geladas e sem sóis
e eis o rio seco de pessoas alternadas
marinhando salmouras redimidas
repassando nestas nuvens de tormentas,
entre a memória térrea e o sonho
existe esse triângulo de sombra liberada.
Com três íris fechadas entre muros,
cai a sombra dos muros sobre a estepe,
cobrindo de sombra essas estradas:
memória, fábula, mito, loucura.


Antes que do céu as sombras desçam
resta-nos ver as andorinhas
que do ermo transforma-o na surpresa
das crianças, que não tendo brinquedo
brincam com as luas e,
quando vêem as suas mãos,
elas estão mortas.


Tudo estancado. O tempo dessecado.
Um coração esvai-se sobre as pedras.
Alma penada, dando sombra aos sóis,
pois nossa luz própria ocupa-nos de terras,
dinheiro, poder, prazer, vaidades
e de lentes do prazer,
sem olharmos o nosso núcleo
as labaredas que nos ardem
não extinguem esse núcleo ardente.
Sim, a palavra vã, corrompida,
folha degradada da flor arrebatada e hidratada,
de raiz deformada,
abaixo dela, morada dos vermes,
além sobre a ramada seca.






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