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O Figurante







Nos galhos mais altos, colher as ameixas proibidas
no pomar da madrugada, quantas mais?








            Davi queria um dia ser saudado como o Aladim do monociclo e, ao sentar-se no selim, liberta o gênio acorrentado aos pedais. Um forte, desafia de peito aberto, a legião de bárbaros de Golias. Sacola de feira no ombro, no seu passo miúdo e rebolante, empina a sunguinha e - macho não sente frio - sempre de manga curta.
            Só tem olhos para as lindas atendentes nas portas das lojas. Esses perfis vistosos guardam distância de sua mãozinha boba.
            Ele desdenha o pai, bonito, alto e corpo escultural, que o enjeita e não lhe reconhece a coragem e o talento artístico: - Você é que devia ter morrido. Não o teu irmão Sauro!
            Davi não aceita apelido, exige por inteiro o nome. Embora mal chegue à altura do balcão, por isso, prefere a figuração no show de strip tease na boate Maria Padilha.
            O incômodo torcicolo de sempre olhar para o alto. Se não fossem os braços curtos, equilibra-se na pontinha dos pés, para agarrar as ramagens floridas dos prazeres e, nos galhos mais altos, colher as ameixas proibidas que se chamam Vilma, Ivanilda, Kelly, Willyana, Elisabete, Rita, Regina, Teresinha, quantas mais?
            Sua paixão alucinada pelos olhos bestiais, vulcânicos e de raposa, pelas coxas torneadas no palco escuro das estrelas cadentes, durava trinta e um dias e cinco cheques assinados e sem valores descritos.
            Um estalido nos canhões de luz, desce uma cascata de faíscas iluminando a ribalta. A loucura de espetáculo teve sua última apresentação na temporada. No palco do show, à mercê desses brutamontes que entretidos com tablets, smartphones e fones de ouvido, podem já espezinhá-lo - uma folha seca chutada pelo vento. Mesmo se esgueirando de rinocerontes e mastodontes da madrugada, o bravo nanico é pisoteado pelas patas dos gigantes caolhos. Ninguém se desvia: - Sai da frente você e rápido!
            Davi, nosso cupido bandalho na sua estrelinha de luz negra, do jardim das delícias. Achado pela manhã, nu e despojado no campo de batalha. Celebrado por vampiros, tubarões, entre outros predadores, putas, travestis, michês drogados e cadelas dançarinas. Sem celular de última geração, sem short do Paraguai e sem tênis incrementado nos pezinhos brancos e frios de anjo caído.
           






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