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Amálgama das palavras





Ilustrações de Feppa Rodrigues









Com fome de palavras busco
no mapa circulatório do corpo.
Guardei-as coaguladas num vaso,
sob o nível da estação plangente.
Cada gota de sangue do punhal
temporal que penetra nos beirais
coisa que nos ofende gravemente.
Na vida refloriam palavras
quando mortas,
pungente aflição que desprende.
E sofrer, espora, cada corte
de sulcos fundos. Pede alma forte
e os profundos cortes na alma
não produzem som.
Eu magnetizo fractais na minha carne,
muitas vezes, caído no tempo e resoluto,
as forças do universo neste único doer,
de indelével essência
pedindo mais música no meu sangue
nos anos que me restem,
indesejável desarmonia exangue,
plasma elementar de fogo e favo.
E menos lágrima de desamor terrestre
pode ser que decorra em água mansa.



Palavras escorregam, turbulentas
e saltam libertas da placenta,
como ancestrais na sua dor
ou dança, de alegria, respira
a carena de um gesto, sedimenta.
Palavras alvas, doidas. Figurantes
entre o escuro, o relâmpago e o presságio,
infusão dos elementos no ar, no fogo e na água,
magmas tranças impressas por testamento:
Amálgama das palavras,
vazadas, transparentes e multicoloridas,
tubo de ensaio, o homem livre se lança
e gosta do mar, a eternidade,
vasta cúpula do céu,
seu espelho da alma,
no azul do infinito da imaginação,
ópio secretado, clandestino
e guardado dentro de mim.









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