Pular para o conteúdo principal

Fora da regra








           
Mais que uma manifestação de denúncia, de protesto e,
sim, a vontade de viver a plenitude da vida










            Os jornais da cidade ainda estavam impregnados do ranço do regime ditatorial e autoritário que incutiu a cultura do medo, direcionada principalmente aos setores da comunicação em geral, da educação, cultura e literatura de Presidente Prudente e do Brasil. E um grupo de jovens que valoriza a boa cultura universal, no contexto, diferenciava-se pelo livre pensar, pois carecia de espaço para expressar as suas inquietações, as suas paranoias e os seus sonhos, em razão do valor elevado da propaganda das poucas publicações impressas, praticamente três jornais e a revista Repercussão de perfis dirigidos às classes dos comerciantes e políticos local, estadual e federal.
            Aquele folheto de duas páginas era a arma mais simples e quente para atingir o alvo, fazer chegar ao público sua mensagem. Um pequeno grupo heterogêneo de artistas investe com seus versos, suas frases, comentários e imagens, contra o sufoco da censura e da repressão implantadas. E, também, contra os valores morais e culturais. Não constituía, entretanto, um movimento unificado. Trata-se antes de um pipocar literário-social de gente e ideias jovens, da região oeste da nação.
            O boletim informativo do Alquimia bar era para atender aos desejos dos frequentadores e, de outro ângulo, divulgar a face positiva, democrática e descentralizadora da cultura, do ponto comercial junto ao aspecto atrativo de sua gastronomia típica de barzinho, a exemplo dos nomes curiosos e, às vezes, excêntricos das porções, lanches e petiscos ofertados. Para que, gradativamente, o nome tornar-se uma marca e um estilo de viver próprios nos âmbitos local, regional, estadual e nacional.
            Com os escritores, os artistas plásticos, estudantes entre outras figuras dos anos 80 e 90, a cultura e a poesia perdem a pompa e as solenidades. Exploram todas as possibilidades do papel - folhetos, jornais, revistas e manuscritos. Uma década após, chega aos muros, sobe aos palcos, alia-se à música popular, organiza exposições e consegue lançar seus livros em centros culturais, feiras e salões de livro.
            Mais que uma manifestação de denúncia, de protesto e, sim, a vontade de viver a plenitude da vida. A produção desta geração foi uma explosão na literatura de Presidente Prudente, jogando para o ar os padrões poéticos, como bem empregou o termo o poeta Manuel Bandeira “o lirismo aguado”, o neoparnasianismo, os cliparts poéticos e os tradicionais chazinhos matinais das comadrinhas, prevalecendo até os dias de hoje.  O que lhe valeu, inclusive, o rótulo de poesia e literatura marginal, revelando a necessidade de mudanças no fazer poético e, certamente, gerou nomes que se firmaram como grandes poetas, contistas e cronistas.







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na