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Frenesi e sufoco





POESIA
( Dante Gatto, J.C. Cabral, Max Gatto e Paulo A. Beloni )
Apoio Cultural: Laerte Bueno Júnior, Delegacia da Cultura, Câmara Municipal e Prefeitura de Presidente Prudente
30 Páginas
Edição Independente
1979
Presidente Prudente - São Paulo







CHAPÉU MEXICANO
( Max Gatto, Paulo Trevisani Júnior e Rubens Shirassu Júnior )
14 Páginas
Edição Independente
1980
Presidente Prudente - São Paulo









            Novos tempos, novas batalhas. Surge a imagem romanticamente moderna do poeta panfleta de uma sociedade anônima, em plena “era do sufoco” e do “milagre” via Embratel. Nos palcos, a performance do poeta ator, a exemplo dos integrantes do grupo teatral Sousândrade, de Presidente Prudente. Em 1982, Dante Gatto, Paulo de Jesus e Paulo Trevisani Júnior produzem “Outubro de Homem” que, entre outros recursos de linguagem e visual, incluem móbiles com ilustrações, fotos impressionistas, cordas penduradas, redes expostas para que o público espectador tocasse nos objetos e sentisse o clima obscuro, opressor e claustrofóbico, além de interagir com os atores durante o espetáculo no Teatro Municipal Procópio Ferreira.
            As áreas de cinema, da música, as artes de público por excelência, foram de uma importância definitiva, sob o jugo de uma censura política bastante violenta, se aplicam na conquista e na descoberta de espaços alternativos para a produção intelectual e artística. É a época de ouro da imprensa nanica, do teatro independente, da poesia alternativa. Como se vê, o resgate das artes da palavra se dá, paradoxalmente, nestes tempos de “silêncio”.
            No caso do boom poético da década de 70, não seria correto classificá-lo como um movimento. Ao contrário, o que se verifica em meio a uma enorme efervescência de poetas e poemas é a emergência de tendências, as mais heterogêneas, unidas apenas pela bandeira comum da postura anárquica e vitalista na defesa do direito de se agitar a poesia como forma de resistência ao “sufoco” do momento. Poemas saltam irreverentes do mimeógrafo, revistas de altíssima qualidade gráfica retrabalham as sugestões do Concretismo, coleções levam adiante a poesia pós-modernista, grandes happenings poéticos “atualizam” a experiência beat da poesia declamada e itinerante, alguns grupos ligam-se à moderna MPB, outros ao teatro jovem, editam-se jornais, posters, intensifica-se a arte postal, repensa-se o velho poema social com as cores do humor e do prazer. O poeta do final dos anos 70 torna-se, enfim, personagem importante na produção cultural da década. É assim que, sintonizada com o pathos da euforia dos anos 60 e com o pique e os bons fluidos da virada tropicalista, a poesia sobe à tona a todo vapor.
            Por volta de 1979, é lançada em Presidente Prudente a coletânea Poesia, um nome simples, claro e objetivo, que refletia o estado emocional contido dos autores (Dante Gatto, J. C. Cabral, Max Gatto e Paulo A. Beloni, tendo o apoio cultural de Laerte Bueno Júnior, secretário de cultura no governo Paulo Constantino, Câmara Municipal e Prefeitura de Presidente Prudente). Mas, na essência do material, uma certa euforia mesclada de insatisfação promovia, então, a urgência de buscar novas formas e novos espaços para a poesia e para a vida. Esse mal-estar, experimentado basicamente por poetas que viveram (ou tomam como modelo) o impasse da década de 70 e suas sucessivas crises e desilusões, determina uma boa parte da produção de frente dos anos 80 e 90. Aqui, alguns pontos merecem ser ressaltados. Em primeiro lugar: a ênfase na experiência pessoal como espaço da crítica social. Recusando a poesia política de “tese”, os poetas se voltam sobre o conteúdo de sua própria experiência existencial num momento especificamente difícil da história e da política brasileira. Essa volta à primeira pessoa, a escrita da paixão e do medo, enquanto resposta crítica, mostra-se um caminho eficaz no sentido de romper o silêncio e a perplexidade que tomaram de assalto a produção cultural no final da década de 70. Assim, o foco da crítica social passa do plano mais abstrato das ideias para o interior das vivências cotidianas sentida na riqueza de sua dimensão política. O sentimento de asfixia experimentado no dia-a-dia é trabalhado com amor e humor.
            Por outro lado, a descoberta de que a literatura pode e deve abrir espaços e criar novos circuitos - o grande pique das várias tendências da poesia jovem de 70 e 80 - impulsiona a produção independente. O livro como objeto “pessoalizado e intransferível”, fora dos padrões comerciais das editoras, denuncia uma mudança na relação dos poetas com a poesia. De feição gráfica orgânica e criativa, os novos livros de poesia surgem trazendo uma linguagem informal e “desburocratizada” cujo maior empenho é justamente a fragilização dos limites entre a vida e a obra. O clima geral de frenesi que orienta o desejo de “mudança de vida” junto, com a revisão dos dogmas e lemas que balizaram as expectativas do projeto político e cultural do início dos anos 60, bem como a desconfiança crescente em qualquer tipo de ortodoxia, traz consigo a redefinição da atitude frente à vida que agora, vale a pena ser vivida poeticamente.
            Nos textos, uma meia-volta “vivencial”, que implica o abandono do primado intelectual, define-se como o fator estruturante por excelência da nova dicção poética. A linguagem da ironia e do humor investe-se de forte sentido crítico. A subjetividade lírica, o poema-síntese, o recorte do instante, do flash, do ouvido-ao-acaso explicitam, não raro, um sentimento trágico do cotidiano. Por sua vez, o insistente descompromisso com o “padrão autoral” da literatura legitimada reforça a deshierarquia do tom nobre da poesia e a relação propriamente afetiva com a prática literária. Ainda que apostando em aspectos “antiliterários”, essa poesia difere da produção mais jovem do período por um certo apuro de linguagem, recurso necessário para um desejado distanciamento crítico.
            Em seu conjunto, esses poetas, leitores assíduos da poesia brasileira pós-modernista, trazem consigo marcas de origem bastante evidentes. A presença de Drummond, de João Cabral, da poesia práxis e, em larga escala de Manuel Bandeira faz-se sensível. Nesta linha, a mescla de estilos, a valorização do coloquialismo, a recuperação do verbal em oposição ao experimentalismo visual - desdobramentos da poética pós-modernista - associam-se à conquista modernista da “contribuição milionária de todos os erros”. Características muito presentes na seleta Chapéu Mexicano, onde participaram Max Gatto, Paulo Trevisani e Rubens Shirassu Júnior. Verificou-se que as coletâneas Poesia e Chapéu Mexicano não estão arquivadas na Biblioteca Municipal Dr. Abelardo de Cerqueira César, no Centro Cultural Matarazzo e nem no Museu e Arquivo Histórico Prefeito Antonio Sandoval Netto. Sobretudo, defende-se, agora, de forma irrevogável, na arte e na vida, um espaço de disponibilidade para a poesia que sequer, como sentencia Francisco Alvim, “aberta para o que der e vier”.
            Enfim, o(a) leitor(a) está diante de uma espécie de balanço e análise da literatura sufocada, de Presidente Prudente, nas décadas de 70 e 80. Mais do que o balanço, o que importa neste comentário é a disposição de abrir novas formas de análise e crítica.







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