O
nome mais irrequieto e sua vida repleta
de escândalos e fofocas
A vida de Rainer Werner Fassbinder,
daria um filme mais escandaloso que o polêmico Querelle, seu testamento cinematográfico. Nome maldito do Cinema
Novo alemão, Fassbinder foi um vulcão de criatividade. Em 36 anos de vida,
dirigiu 43 filmes, além de ter escrito peças de teatro e roteiros para
televisão. Morreu de uma overdose em junho de 1982. Dez anos depois de sua morte, a biografia O Amor é mais Frio do que a Morte,
escrita por Robert Katz, é um retrato, sem retoques, do cineasta. A figura
pública de Fassbinder era bem conhecida. Gordo e inchado nos últimos tempos,
olhos injetados, cigarro permanentemente no canto da boca, blusão de couro e
calças de algodão amarrotadas. Fassbinder era o que parecia ser uma encarnação
do desespero aplicado à vida. Habitué
de saunas e bares homossexuais da pesada, foi protagonista de mais baixarias
que seu ídolo Jean Genet, aliás autor
de Querelle, livro no qual Rainer
Fassbinder baseou seu último filme. Uma delas durante a festa do seu casamento
com Ingrid, a noiva o pegou na cama com outra pessoa – um dos padrinhos do
casamento. Seguiram depois para uma alegre lua-de-mel a três. No início da
carreira como diretor, exige que as atrizes do elenco se prostituíssem para
complementar o orçamento da filmagem. Foi também gigolô de um prostituto, Dodo.
Mas, claro, a trajetória de
Fassbinder não se resume ao fair-divers. Conseguia
sublimar o lado escuro da vida em filmes radicais e de uma beleza cruel.
Inovador sem ser hermético, Fassbinder nunca virou as costas ao público. Ao
contrário. Era sedento de sucesso. Sua grande ambição (não realizada) em
acertar o que chamava de a “tacada tripla”: ganhar os festivais de Berlim,
Cannes e Veneza no mesmo ano. E, em seguida, empalmar o Oscar de melhor filme
estrangeiro. Não lhe parecia um projeto louco - tinha capacidade de trabalho
para fazer um longa-metragem a cada três meses.
Ironicamente, seu filme de maior
sucesso, O Casamento de Maria Braun,
foi feito num dos intervalos de filmagem do gigantesco projeto Berlin Alexanderplatz, com 15 horas e
sete minutos de duração. Diz seu biógrafo que Berlin foi esticado de propósito, pois Fassbinder precisava de um
fluxo contínuo de dinheiro para financiar as drogas que consumia em quantidades
industriais. Verdade ou não, trata-se de um filme impressionante. Fassbinder
transforma o romance de Alfred Dôblin num fantástico épico sobre a Alemanha
durante a época da ascensão do nazismo. O personagem Franz Biberkopft (Gunter
Lumprecht) é o lumpem que se desgraça numa relação cheia de ambiguidade com
outro desvalido, Reinhold Bilberkpft é um alter ego perfeito de Fassbinder, que
carrega um exemplar do livro de Dôblin onde quer que fosse.
Coincidência ou não, o fato é que o
cineasta construiu sua volumosa obra como um retrato, uma crônica, além de um
exame feroz dessa arruinada Alemanha do pós-guerra, reconstruída nos anos 1950,
cindida com a construção do Muro de Berlim, em 1961, estabilizada no modelo
socialdemocrata, mas assombrada pelo fantasma do terrorismo na década de 1970.
Por causa de sua extensão, agilidade
e ambição, a obra de Fassbinder foi comparada ao painel monumental construído
pelo escritor francês Honoré de Balzac (1799-1850) nos 95 títulos que compõem “A
Comédia Humana”.
Esse registro das mutações
históricas veio acompanhado por uma atenção não menos importante às
manifestações de um passado recalcado, aos sinais da ideologia xenófoba que não
parece ter sido enterrada com o nazismo, e ao autoritarismo disseminado nas
relações humanas. Em vez de oferecer a catarse simplificadora dos filmes de
reconstituição do apogeu e queda do nazismo, Fassbinder preferiu ser mais
político e mais cruel, impedindo a ferida de cicatrizar.
O interesse de Rainer Fassbinder era
pelo que subsiste do fascismo em nossa sociedade de consumo: a sombra durável
que exerce a dominação sem concorrentes do capitalismo e de seus mercados
globalizados; o modo como os objetos fetiches de poder, materiais ou não,
transformam-se em mercadorias ou se cobrem de desejos nostálgicos. Para
Fassbinder, o ponto de cristalização desse processo de evolução era o palco
sempre móvel dos acontecimentos, o potencial espetacular da história universal
que a mídia e as novas tecnologias fizeram subitamente ganhar importância. A
unidade secretamente forjada entre a guerra e o espetáculo exige em troca a
onipresença da tecnologia, que por sua vez torna-se invisível. Esse é
basicamente o tema do filme, o que ele simboliza com a pura presença da canção “Lili
Marlene” e por meio de sua difusão imaterial nas ondas do rádio.
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