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Caos quântico de André Carneiro


Imagem: Sophia Pedro










Considerado um dos mais importantes escritores brasileiros de ficção cientifica de todos os tempos, André Carneiro teve uma carreira artística e literária eclética: poeta, fotógrafo, cineasta, artista plástico, publicitário, crítico, hipnotizador clínico, entre outras atividades. Um dos poetas mais respeitados da geração de 45, e um dos primeiros fotógrafos artísticos do Modernismo brasileiro, destacando-se na chamada geração GRD (Gumercindo Rocha Dorea) da ficção cientifica brasileira, pela coleção de livros editada durante a década de 1960, ao lado de Rubens Teixeira Scavone, Fausto Cunha, Jeronymo Monteiro e Dinah Silveira de Queiroz. É o escritor do gênero com maior destaque internacional, com seus contos e romances publicados em 16 países. Para o crítico espanhol Augusto Uribe ele é “o melhor autor de literatura fantástica da América Latina”, pois através da sua obra a ficção científica do Brasil ganhou notoriedade no exterior, embora pouco conhecida no país.
Seus contos foram publicados na Suécia no final dos anos 1970, pela revista Jules Verne Magasinet, criada em 1940, a única revista do mundo de ficção científica durante um período. Em 1972, ela passou a ser dirigida por Sam J. Lundwall, importante e influente editor de ficção científica, que assume a direção da publicação sueca. E, além de proprietário da editora Delta Förlags, Lundwall publicou uma extensa lista de livros do gênero na coleção Delta Science Fiction. Entre eles, a versão sueca do primeiro romance de André Carneiro, Piscina Livre (editora Moderna, 1980), publicado simultaneamente no Brasil. Carlos Drummond de Andrade afirmou que “em Piscina Livre, André exercita de maneira brilhante a originalidade de ficcionista”.
O tema do livro gira em torno de uma nova ordem, onde envolve sexualidade e amor, como pano de fundo para a devastadora crítica à moral e aos costumes atuais. Sua assinatura estilística mostra a que nível de qualidade artística pode chegar a ficção científica quando tratada por um verdadeiro escritor, seriamente preocupado com as reações humanas e a qualidade literária de sua história. Toda a sua obra constitui uma parábola sobre o homem e o mundo, onde esbanja termos científicos e metáforas inauditas, mesclando-os a um discurso híbrido, polivalente, capaz de assombrar o leitor com a realidade dos universos paralelos, com as descobertas parapsicológicas, para fazê-lo refletir melhor acerca do rumo que toma para si a impaciente humanidade.
Como mago das palavras, Carneiro rouba termos do hermetismo, da alquimia, e esteticamente os amarra às nossas agruras pessoais. Seus poemas são móbiles que circulam e se transformam diante dos olhos do leitor, que encontrará por certo, no conjunto de seus textos, a ordem subjacente por detrás do aparente caos quântico de seus (uni)versos. O poeta lida com a surpresa, o arbitrário, o paradoxal. Ele é uma espécie de cientista louco e, ao misturar as fórmulas, a partir da explosão, a maravilha dos versos inéditos de Virtual Realidade: “O segredo da vida nem lemingues decifram, / escrevo poesia, / branca bengala do cego, / junto hieróglifos no labirinto.” 

























PISCINA LIVRE
André Carneiro
Ficção Científica
Editora Moderna
1ª Edição
138 páginas
São Paulo - SP











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