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Em doses homeopáticas


Ilustração: Taumatropo, de 1825, por Willian Fitton









Falta mais humor e inovação no projeto gráfico
da publicação








O jornal Pio-Pardo, de boa qualidade, necessita tornar-se mais politizado à medida que aumenta o jogo dos partidos e dos grupos corporativistas que trabalham nos bastidores. Esta publicação mensal tem que dotar uma linha editorial mais combativa e a passar a ser o porta-voz da indignação social de Presidente Prudente e região oeste do Estado de São Paulo. O efeito ocorreu ao contrário: o pássaro ficou preso na gaiola, por medo de perder o seu suporte publicitário. Assim, se mostra claramente uma versão contida e light do famoso semanário Pasquim, surgido em julho de 1969 e que sobreviveu após a abertura política (de 1980) até 1991.
Sua essência, nas entrelinhas, como publicação dirigida, serve a uma elite intelectual minoritária, que assiste a um espetáculo medíocre e absurdo. Grande parte do conteúdo político produzido são comentários em doses homeopáticas: o veículo desfere um soco direto no estômago da administração e dos representantes do povo, em duas edições de 2016. Neste ano, massageia estimulando o desenvolvimento de projetos de remodelação de áreas abandonadas da cidade ou entrevistando o presidente da câmara, nas duas páginas centrais do tablóide. A tradição e o conservadorismo do jornal é visível na própria tipologia gótica do nome (Pio-Pardo) demonstrando ser um pássaro atado.
Falta furo de reportagem, uma dose cavalar de irreverência, de ousadia, de quebra de paradigmas, o uso de um humor inteligente na exposição de visões. Seria mais inovador o conselho editorial deixar de lado toda a auto-censura: palavrões, corruptelas e outros termos que dentro da história do jornalismo de Presidente Prudente  nem sonhavam em entrar num veículo de comunicação escrita. Tudo colocado nas entrelinhas. Seria mais saboroso e instigante reunir reflexões, posicionar pontos de vista, propor soluções, juntar denúncias e, claro, rir da própria desgraça, além de discutir sobre a legalização da maconha, a mudança de hábitos e costumes, sexo, o rápido surgimento de categorias relacionadas aos transexuais, transgêneros, etc., aborto, a boa literatura, artes visuais, dança, entre outras artes da localidade. E vários outros temas de teor desafiador e polêmico provenientes do momento atual. E, sim, propagar a liberdade de expressão, a cidadania e o respeito às minorias.
A remodelação gráfica e de linguagem jornalística será importante e eficaz para ultrapassar as barreiras impostas pelo controle à comunicação pelo poder hegemônico e gerar discursos críticos no contexto. Os gêneros discursivos iconográficos de humor são espécies de textos visuais capazes de expressar elevado grau de informatividade crítica, atributo conferido devido à sua natureza de linguagem autoral, polifônica e poética, que possibilita revelar visões de mundo contidas de maneira implícita e explícita. Destarte, os gêneros discursivos iconográficos de humor revelam-se, além de linguagem de elevado grau de comunicação para superar limites impostos à liberdade de expressão, poderosos recursos demarcadores de estilos estéticos para projetos editoriais de jornalismo de humor, dentre os quais O Pasquim postula-se como uma das referências pioneiras. Além de servir de subsídio à pesquisa para estudantes de comunicação social. Sem esquecer de frisar que não se tratou de uma simplificação através do coloquial ou do popular, mas, acima de tudo, um novo modo de expressão, dotando os textos de cada escritor dos atributos de expressividade de sua fala.









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