Sempre
disse que a década de 2000, no Brasil, foi um retorno de tudo que mais careta existia na década de 50, a
sucata da sociedade industrial (que em 300 anos destruiu integralmente o
planeta), agora em franca e acelerada desintegração. As matérias-primas
escasseiam, a Amazônia está sendo transformada num imenso lago (como queria o
Instituto Tecnológico de Massachusetts), buracos quilométricos na camada de
ozônio ameaçam transformar o planeta num deserto a curto prazo. No Brasil, de
politicamente correto, no entanto, a palavra Crescimento continua na ordem do
dia, assim como na cabeça e nos artigos da maioria dos jornalistas sensacionalistas
da grande mídia. No atual contexto, a desintegração da sociedade industrial (capitalista
e socialista), a crise da Economia (não crise econômica) e a Inflação, que é
determinada pelo aumento do preço da energia, causam a erosão na produção de
bens essenciais: alimentação, vestimenta e habitação. Agora, os que quiserem
salvar as cidades devem urgentemente procurar energias alternativas (como a
energia solar, por exemplo) e abandonar a política energética dependente de
reservas não-renováveis e tecnologias imaturas.
O
planeta se uniformizou em torno da ideologia e valores da classe média, uma
ideologia hedonista de falsa tolerância, racista em relação a subproletários,
homossexuais, negros, entre outras coisas, onde o casal heterossexual é imposto
via mídia, às mais tenras faixas etárias. A uniformização do planeta em torno
dos valores da classe média está levando a uma mudança antropológica para pior,
onde o tipo Homem é confundido planetariamente com o tipo classe média. A
ideologia do progresso percorre o receituário de todos os partidos políticos do
Brasil, assim como a “disciplina da fábrica” de origem taylorista, percorre os
manuais provincianos de estética. O que temos no campo da poesia, é a riminha
safada, lírica açucarada de véu e grinalda para embalar devaneios
universitários. Os artistas provincianos deslumbrados com cidades tipo São
Paulo, não percebem a trama do mau gosto, da exclusão e do isolamento debaixo
do aparente verniz dos néons e da badalação das revistas virtuais e das
antologias de associações e academias literárias engessadas, como as
universidades e apoiadas em muletas de teorias. Uma linguagem saída diretamente
da estética do consumo borboleteia sobre a criação de condomínios elitistas em
ilhas, do carro último tipo. Um escritor deve ir além dos muros da academia levando
seu tesão visceral pela literatura. A escrita criativa e de estilo é um açoite
ao bom mocismo que por aí campeia, as obviedades e lugares comuns daquilo que
denomino “literatura fofa.” A literatura de peso, um meteoro, uma catarse, um
desnudamento ou aquilo tudo que deciframos além do espaço do livro. Quem faz
boa literatura percorre um corredor polonês, no sentido figurativo e, sem medo
de se expor, exige maturação na percepção, assim creio. As impressões concretizadas e, meio Clarice
Lispector, que propague de boca a boca, o que será melhor do nunca!
Por isso, deve-se
estudar constantemente o surrealismo, como movimento literário e artístico,
onde mostra tão importante para história da literatura que o Octavio Paz, antes de ganhar o Nobel,
declarou na Organização das Nações Unidas (ONU) que “o século não será
conhecido como o do marxismo, mas como o do surrealismo”. E como filosofia, a
poesia é uma arte minoritária e, nesse sentido os escritores brasileiros
influenciados pelo surrealismo e pela Beat
Generation, que os marcou profundamente tanto pela poesia ácida e voraz
quanto pela atitude em relação ao mundo da experiência. Nesse sentido, a força
do que escreviam atingiu pela carga de dinamite própria. Eles nunca fizeram
concessões. Suas referências incluíam também os românticos franceses e ingleses,
sem esquecer os simbolistas.
Ao incluir a epígrafe
“os poetas são os novos xamãs da sociedade”, de Joseph Campbell, em Cobra de
Vidro, seria a minha rechaça ao racionalismo absoluto que se instituiu na
poesia brasileira. Existe poeta que disputa o título de mais racional, pode? Pier Paolo Pasolini alertou sobre isso:
“Grito no
céu onde embalou o meu berço: Nenhum dos problemas dos anos cinqüenta / Me
importa mais! Traio os lívidos / Moralistas que fizeram do socialismo um
catolicismo / Igualmente tedioso! Ah, ah, a província empenhada! / Ah, ah, a
competição para ser o poeta mais racional que o outro! / A droga para os
professores pobres da ideologia! / Renego o ridículo do decênio.” Bebi
em Arthur Rimbaud, Antonin Artaud e William Blake o
delírio do verbo de cada um para estremecer a estrutura de minha própria
poesia. De onde vem a verdadeira poesia, ela se origina fora das leis. Quanto à
posição dos poetas neste começo de século, foram expulsos da cidade pelo
totalitarismo cultural e convertidos em seres marginais (outsiders).
Nesta
idade média tecnológica, estes jecas acadêmicos adoradores da “tecnologia de
ponta” participam da fabricação da cegueira adestrada, onde as respostas
humanas aos acontecimentos de todos os dias se tornaram estandartizadas. Forçado
a tarefas impessoais, o trabalhador vincula-se à monotonia e ao envelhecimento
onde qualquer iniciativa é considerada contrária às normas da organização,
obrigando a um conformismo medroso e rotineiro. A interpretação exclusivamente
industrial do socialismo permite aos comunistas e aos capitalistas falar o
mesmo idioma. É isso que a cegueira tradicional dos nossos intelectuais não
consegue ver: cada um dos aspectos da sociedade industrial é componente de um
sistema que implica a escalada da produção e o crescimento da procura
indispensáveis para justificar o custo social total. A industrialização da
carência transforma a necessidade pessoal em carência mensurável. Crise deveria
significar exatamente isso: o instante de escolha, esse momento maravilhoso em
que a gente se torna consciente da própria prisão autoimposta e da
possibilidade de uma vida diferente. Enquanto isso, a padronização da ação
humana vai se estendendo, numa espécie de rigor mortis, confrontando a
afirmação de Serge Moscovici de que “só o que é diversificado está
vivo.”
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