Poetas marginais rompem com o modelo canônico
Nos anos 60, no
Brasil, a eclosão foi do Tropicalismo, do underground, posteriormente, Leila
Míccolis, Ana Cristina César, Alice Ruiz e, na década de 80, Régis, Elza Melo
(Jade), de Presidente Prudente, entre outras poetas vieram com uma nova voz
feminina na poesia. Um eu-lírico feminino que assumia a sua condição feminina
de forma plena e que rompia com o papel desenhado – pela sociedade machista –
para a mulher somente desempenhá-lo. O que dizer sobre as mulheres de hoje e
suas conquistas? Percebi que são três momentos sociopolíticos diferentes do
país: o da mudança de regime (com o término da democracia e a instauração do
golpe militar); o da permanência da ditadura (com seus nefastos efeitos diretos
e colaterais por mais de quinze anos, gerando inclusive o fenômeno do
“desbunde”); e a década da anistia, da “abertura” (com a vertiginosa expansão
das multinacionais, na área econômica). Acredito que a poesia atual continua
lidando com o material trazido pela produção e experimentação da Geração 70,
que inovou na temática, na coloquialidade, na desmitificação de papéis sociais,
no questionamento, na perspectiva, na desconstrução do romantizado universo
feminino (cor-de-rosa ou rosicler...), na ironia mordaz, além de introduzir uma
ferrenha crítica às verdades eternas e aos padrões de comportamento
estereotipados. Na atualidade, todos esses elementos continuam presentes, mas
com roupagens diferentes, interconectados com os recursos de nossa era
tecnológica e enfocando as perplexidades da Modernidade Líquida.
Esse movimento
poético aos olhos recebeu dos estudiosos e críticos, várias denominações, tais
como “Poesia Marginal”, “Geração Mimeógrafo” e outras. Apesar de nem ser a
favor de rótulos que, em geral, afunilam o contexto do texto literário. Uso-os
porque, a partir de suas criações, não adianta ignorá-los (o que resta é mergulhar
em uma análise mais profunda sobre eles). Apesar de nossa poesia dos anos 1970 não
se atrelar apenas à ditadura então vigente (ela privilegia o questionamento da
microfísica do poder (existente em qualquer tempo e em qualquer tipo de regime
ou de sociedade), prefiro “Geração 70”, pelo marco histórico que julgo
importante até mesmo para a caracterização do conceito de geração. Com relação
à poesia atual, chamo-a de poesia contemporânea, para não restringir sua
perspectiva nem seu campo de atuação. E sobre a minha inserção no cenário
atual, vejo-me tranquilamente como mais uma voz em meio à pluralidade de falas,
porém consciente que me incluo num grupo restrito de artistas no ousado
pioneirismo de ter rompido com os modelos canônicos da produção poética surgida
anteriormente no modernismo, parnasianismo ou romantismo.
Nas produções das
décadas de 60,70 e 80 não havia homogeneidade, mas, ao contrário de um só fluxo
ou de uma corrente única e contínua, havia um ecletismo literário muito grande
formando uma movimentação constituída de diversas trilhas poéticas, posso
ilustrar citando a antologia 26 Poetas Hoje, de Heloísa Buarque de Hollanda,
que teve o mérito de reunir em 1976 algumas dessas tendências poéticas
emergentes mais predominantes à época, pelos critérios analíticos dela. Sinto a
poesia brasileira e os poucos poetas de estilo em Presidente Prudente, a partir
de 1978 até a fase atual, como polimorfa, multidirecional, multifocal e
abrangente, em vez de ser uma escola com uma mesma doutrina ou um mesmo sistema
de regras. E essa cauda de estilos e propostas estéticas só enriquece a
literatura brasileira. Sim, creio ser possível novas antologias criteriosas
como a dos “26 Poetas”, reunindo as tendências mais expressivas da atualidade. Então,
tudo é poesia, desde que o observador tenha sensibilidade para captar um ângulo
diferente, ou desde que tenha algo acrescentar à coisa ou à situação observada.
A literariedade também é muito importante; porém essencial, no meu entender, é
que o poeta trabalhe o óbvio e crie um material de reflexão sobre qualquer que
seja o tema abordado. Aliás, este foi um dos méritos da Geração 70: mostrar que
a poesia também pode mergulhar no “prosaico”, desvinculando-a da aura do
inacessível, do sublime, do purismo (tirânico) do belo, e interligando-a a
debates paralelos “nunca d’antes navegados”.
Acredito que a Web não
eliminará o livro impresso, embora, sem dúvida, esteja mudando a forma de
leitura, que se deslocou do resultado da criação para o processo criativo
propriamente dito. A meu ver, a internet ajuda na divulgação poética sim,
porém, paradoxalmente, com o volume de blogs aumentando a cada dia, o destaque
individual fica muito prejudicado. Em geral, com raras exceções, os blogs
privilegiam espaços de mostras individuais, e aí... isolados, nos expomos
(parodiando a frase do Zygmunt Bauman:
“separados, compramos”). Neste contexto, é difícil alguém se sobressair em meio
a milhares de outros blogs com o mesmo tipo de estratégia de marketing – a
competição e a concorrência são muito grandes. Infelizmente, porém, não vejo
vida longa para os sites; alguém já me disse que se sobreviver por mais alguns
anos vão ser umas “aves raras”, muito importante inclusive para mostrar como
eram verdadeiras obras de arte estes tipos de sites, que estão em franca
extinção, por diversos motivos: por serem extremamente trabalhosos e onerosos;
porque a interação dos blogs fascina mais; porque são muito mais práticos e
rápidos de se fazer, mais condizentes, pois, com o imediatismo e a velocidade
do mundo atual; e porque estamos em plena “sociedade dos indivíduos”, como
sarcasticamente definiu Norbert Elias.
No mais, não sei se as pessoas estão lendo mais poesia por conta da Internet
(em geral, os poetas da atualidade não costumam ler poesia). Ocorreu um surto
de escritores e poetas, em contraste, o crescente número de pequenas editoras
lançando bem mais... Isto é inegável e flagrante.
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