Nem quero discorrer
sobre a “Geração 2000”, em Presidente Prudente, e região oeste de São Paulo, a
meu ver bastante nítida; quero apenas enfocar dentro deste restrito território
o aspecto da produção literária, onde reflete os intuitos opressivos, separatistas
ou maniqueístas. Um pequeno grupo de indivíduos de comunidades e seitas
religiosas participa de saraus, de associações e de academias literárias, com o
objetivo de impor, censurar e manipular os jovens escritores principiantes. Para
que produzam uma pílula paliativa às suas inquietações, às suas dores e às suas
dúvidas existenciais. Um alento bem do jeito auto-ajuda, com teores de mero
clichê e com o intuito de propagar uma visão teocêntrica e enviesada da vida em
sociedade. É nítida a tendência e a pretensão de um típico “estratagema
ideológico”, que trabalha o lado emotivo e crédulo. Grande parte da garotada
produz um material de duvidosa qualidade e, sem oficinas literárias
fundamentais para a formação, o estudo e a pesquisa constante, junto à lacuna
gritante de críticos literários nos meios de comunicação local e regional,
esses rascunhos sequer se aproximam da mística de San Juan de La Cruz, Santa
Teresa d´Ávila ou as poesias barrocas de Jorge de Lima e Murilo Mendes, do
livro “Tempo e Eternidade”, de 1935.
Obscura idade das
trevas, o que demonstra uma política medieval direcionada à faixa etária jovem,
comprometida a sacralizar a poesia e a literatura e conter a moçada da nova
geração! Dessa maneira, qualquer
atividade que tenha base teológica se transforma em uma das ferramentas por
meio das quais os detentores do poder conservam sua autoridade e prejudicam o
vigor intelectual dos jovens. Bertrand Russel complementa afirmando “ser mais importante as virtudes como a inteligência
e a gentileza. A inteligência é tolhida por qualquer credo, independentemente
de qual seja, a gentileza é tolhida pela crença no pecado e no castigo”.
Outro sinal da volta do sistema medieval autoritário: Como Stálin, a linguagem
dos novos tiranos e carismáticos oradores estão repletas de reminiscências do
seminário teológico, da rigorosa disciplina militar em que receberam a
educação. O mundo não precisa de dogma, mas de uma atitude de investigação
científica, combinada à crença na tortura e o martírio de milhões de pessoas
não é desejável, seja ela infligida por um ditador ou por deus punitivo e
fatalista que garante o berço esplêndido apenas após a morte.
Ocorre uma infestação
no mercado restrito de literatura de má qualidade, piegas ou sentimentalóide.
Chegou-se ao extremo de banalizar a poesia, um gênero literário profundo,
complexo e comparado à arte de filosofar. Por outro lado, há mais de 20 anos, as
secretarias de cultura cumprem o cronograma modelo e sem avaliar o impacto
conjunto das ações na comunidade. Pelos servidores estarem sobrecarregados de
funções, além da carência de concursos e de profissionais, realizam pequenas
ações esparsas, principalmente nas áreas de literatura e artes visuais. Com
orçamento limitado, às duras penas, promovem concursos literários e organizam
uma antologia dos autores selecionados. Entretanto, as ações se perdem no
espaço, se fragmentam, porque nem seguem um plano de cultura e, nem existe uma
comissão à parte, para pesquisar e avaliar o poder de alcance nas camadas
sociais, do tipo os prós e contras do projeto, entre outros itens.
Essa desestrutura e a
visão superficial, como se cultura fosse um mero passatempo nas horas vagas, virou
uma pecha tão pesada que até hoje os escritores e artistas visuais se envergonham
ao serem chamados de artistas, preferem argumentar que fazem por “hobby”.
Dentro de um regime de contenção de despesas, pode acarretar o corte das poucas
ações ainda existentes nestas cidades do Brasil, alegando haver baixo número de
público ou se restringirem a uma elite minoritária.
Sublinhando esta
absurda passividade decorrente dos hábitos, costumes e tradições do Mato
Grosso, uma parcela de Minas Gerais, das formações culturais, econômicas,
étnicas (portugueses, espanhóis e japoneses) e religiosas de Presidente
Prudente. Assim, pretendo apenas ressaltar o quanto, em termos estéticos, a
poesia das mulheres das Gerações 70, 80 e 90 mudou o enfoque e o próprio
comportamento, rebelando-se contra o secular “universo feminino” que lhe fora/é
imposto, construído de jargões, estereotipias e uma fala manipuladora,
repressora e castradora.
Se a Geração 80, uma
sequência da anterior, tem como características principais o
contraculturalismo, o coloquialismo, a crítica ferina e ferrenha ao sistema, de
modo indireto, através do questionamento da microfísica do poder (presente em
todos os tempos e em qualquer regime político), as poetisas levaram a
insubordinação ao extremo, rompendo com a exacerbação lírico-subjetiva própria
da “produção feminina” de então – salvo raríssimas e isoladas exceções – e
arcando com as consequências de suas transgressões, pois mexer em feridas era
(e para muitos de nós continua sendo) mais importante do que entreter o leitor.
Ao agirem desse modo (e incluo-me neste plural), articulamos uma estética nada
convencional, convenhamos, e muito pouco “digestiva”, na verdade bastante
indigesta: dissecamos as mortas-vivas verdades eternas e as dominações sutis
que adoçavam (e infelizmente continuam adoçando) o massacre cultural diário não
só de mulheres, mas de todos – sem exceção de sexo ou idade.
A alienação que
subjaz na poesia da grande maioria das poetas, no século XX, tem íntima ligação
com as suas próprias condições comportamental, econômica, social e sexual: até
o início da década de 1990 as mulheres não eram sequer cidadãs, elas passam a
trabalhar fora e a exigir direitos iguais... mas que direitos? Os únicos que
ela conhecia, ou seja, as prerrogativas que lhes eram “concedidas” por uma
sociedade patriarcal, provinciana, pseudamente moralista. Assim, a
independência econômica não significou nem libertação, nem transformação nas
condições sócio-políticas repressoras. Houve mudanças, sim – inegável –, muito
mais, porém, no avanço das conquistas políticas que atingiam principalmente seu
mundo exterior; no fundo, a mulher ideal continuava sendo a que ajudava o
marido, inclusive trabalhando fora, a companheira do homem, seu braço direito,
sua sombra – “atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher”, sentencia
o provérbio.
Diante deste quadro,
não é de se espantar que a mulher fosse incentivada a gostar de escrever
poesias românticas, mais condizentes com sua pretensa natureza emotiva,
sensível e pouco racional... – só sendo frágil seria respeitada. As mulheres
reproduziam nos poemas o que sempre tiveram: um mundo repleto de ilusões, de
desencantos, de passividade. Temas “fortes”, realistas, lhes eram vedados,
porque a imagem pessoal podia ser confundida com a ficção que escreviam –
aliás, até hoje, é bem frequente esta confusão da autora com suas
personas/máscaras. Colombina, uma poetisa do começo do século passado, deixou
relatos impressionantes sobre a pressão que sofreu ao ousar escrever uma poesia
um pouco mais erotizada.
Foi somente a partir
do final de 1978, em Presidente Prudente, no Brasil, que questionamentos
rebeldes e inconformistas vieram à tona, através de uma poesia que usava
ostensivamente a primeira pessoa – também vestígios dos movimentos de
libertação feminista e homossexual –, sem medo de enfrentar as consequências de
seu eu-lírico (pelo menos afastado do lirismo tradicional a que sempre esteve
submersa), rompendo amarras, e partindo para uma combatividade que, às vezes,
transformava-se em agressão. Não mais palavras comportadas ou a estrada dentro
dos limites dos “temas permitidos”, de “bom-tom” para mulheres decentes. Os
ídolos de barros quebravam-se, as máscaras caíam e surgia uma mulher totalmente
nua, exposta, mostrando que seu decantado “mundo suave e perfeito” não passava
de uma grande farsa a que se sujeitava por alheamento, medo, conformismo ou
comodismo.
As mulheres que
surgiram neste período assustaram bastante, “mulheres não escreviam poesia
desta maneira” – ouvi muitas vezes... Pela primeira vez, porém, estávamos
praticando o libelo poético de Manuel Bandeira: “não queremos mais lirismo que não seja libertação”. Enfocando os
mecanismos de dominação, desde a educação para a submissão até a transmissão
dessa cultura para seus sucessores, a produção dessas mulheres das Gerações 70,
80 e 90 insurge-se com o fato de terem que pedir permissão para viver, para
sorrir, para sair ou para ter prazer; e a poesia, neste momento, foi de grande
auxílio ao início de confronto, porque ajudou na busca da essência do agir, tão
esquecido em geral pela literatura contemporânea, mais preocupada com sua
narrativa do que com a escuta da linguagem.
Ao analisar esse
susto, esse espanto, essa perplexidade, colocando a poesia feminina da época
como uma ruptura da unidade e coerência da produção poética das mulheres dos
anos anteriores. Níveis de ruptura de uma poesia podem ser claramente exemplificados:
A referência explícita ao sexo, nos poemas publicados, deve ser entendida em
sua devida perspectiva: não se trata de uma apologia ao amor sáfico ou ao
auto-erotismo, porém de uma proposta bem mais geral: estas autoras estão
assumindo o direito de não serem mero objeto de concepções socialmente
institucionalizadas”. O enfoque erótico, tão ostensivo na época, era, como
muito bem o poeta, tradutor e crítico literário Cláudio Willer percebia, não o
avesso da moeda – do recato à libertinagem – mas provocação, uma resposta,
enquanto questionamento a todas as violações da integridade feminina, da cama à
mesa, sem deixar nenhum cômodo de fora.
Os estilos são bem
diferentes entre Ana Cristina César, Ledusha Spinardi ou comparando Réca
Poletti e Alice Ruiz, de Maria Amélia Mello e Ilma Fontes, ou entre Socorro Trindad
e Márcia Frazão; todas, porém, de uma forma ou de outra, indagam poeticamente
sobre o “eterno feminino” e suas heranças controladoras, com uma ironia
desconstrutiva: através da exposição do ridículo ou das contradições,
desmontava-se o grande cenário montado em torno da imagem da mulher – uma
imagem virtual, nada real. Não mais deusas ou musas diáfanas, mas pessoas
concretas, com insatisfações, revoltas e, até, desejos de vingança. A fala
cotidiana não era, pois, uma estratégia de sedução; era a forma de exigir
participação social, mas questionando os sentimentos e a afetividade, porque
pensar e sentir não são duas etapas isoladas, mas dois termos de um único
binômio. Uma “poesia de confronto”, como já designou Heloísa Buarque de
Hollanda, de transgressão, de ajuste de contas, abrangendo material muito mais
amplo do que o contido dentro do território da literatura.
Aliás, o maior mérito
da poesia de homens e mulheres, nas Gerações 80, 90 e dos dias de hoje, está
justamente neste amplo debate em torno não da técnica literária, ou da
literatura como “veículo de comunicação” (absurdo dos absurdos), mas sim de
questões paralelas que ensejaram principalmente – até hoje – a polêmica do agir
poético na polis contemporânea. Nessa medida, creio que o estilo dessa poesia
despertou e continua suscitando importantes questões filosóficas sobre as
artes, tidas estas, não mais, pelo menos exclusivamente, como meros adornos
para tornar nossa vida mais divertida ou agradável; mas consideradas, de lá pra
cá, e cada vez com mais intensidade, como perguntas que colocam em cheque toda
uma relação de poder do sistema com cada uma/um de nós. Levando a indagar a
poesia como um desfiar de perguntas que conduzem a outras, dentro da
articulação interminável deste deslocamento ininterrupto: desvelar, velar,
revelar, renovando-nos pelo próprio movimento, sem armazenarmos soluções
conceituais prévias.
Ajudando a clarificar
o óbvio, antes que o esqueçamos, a poesia feminina do final dos anos 70 e da
década de 1990, continua – através de um debate contínuo – descondicionando as
nossas emoções dos rótulos que fabricam e comercializam uma realidade ilusória,
construída de sentimentos artificiais já devidamente etiquetados com códigos de
barra.
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