Flávio Araújo *
A Rede Globo exibiu
há poucos dias, ente 8 e 11 últimos em quatro capítulos, de terça a
sexta-feira, uma minissérie tendo por base a carreira de EDER JOFRE, o maior
pugilista brasileiro de todos os tempos e o melhor peso-galo da história do
boxe em todo o planeta na opinião oficial dos pesquisadores norte americanos.
Infelizmente o que o público brasileiro viu está longe de refletir com justiça
e mesmo no aspecto moral o que foi a trajetória desse grande atleta. É preciso,
antes de tudo, realçar que o boxe hoje perdeu aquela condição de ser a chamada
“nobre arte” que tinha no passado. O boxe era um esporte que, se não podia
deixar de lado o seu teor de violência, tinha uma visão artística inegável com
os bailarinos no tablado como o próprio Eder, ou em escala maior os
norte-americanos Cassius Clay ou “Sugar” Robinson, os meus eleitos na vanguarda
da beleza desse esporte. A violência das lutas de hoje desse MMA mataram o
boxe. Mas, o que se vê nessas disputas onde o Brasil ainda tanto se destaca não
pode na minha ótica ser considerado como um esporte no sentido olímpico do
termo.
A minissérie da Globo
Bem, devo dizer que
fui convidado pela empresa que fez o longa metragem e a minissérie para
participar dos mesmos e não pude atender o convite. Foi exatamente no período
em que minha mulher, Yvette Pinheiro de Araújo, estava hospitalizada e veio a
falecer. Morava então em São José dos Campos e hoje gozo as delícias do ar puro
e clima agradável de Poços de Caldas mesmo no verão que esturrica o país.
Assinei então uma concordância em que usassem minhas narrações para constar da
produção e sei que não se pode falar na carreira desse artista dos ringues
(Eder era também um desenhista de belíssimos traços em nanquim) sem mencionar a
minha presença já que narrei a maioria de suas lutas como também, segundo o
Milton Neves, fui o locutor que mais transmitiu os gols de Pelé. Desculpem a
ausência de modéstia de quem começou irradiando os jogos de Corinthians e
Prudentina na então PRI-5 de minha cidade natal que amo e que, mesmo lá não
residindo, está sempre presente em meu coração prudentino. Muito me orgulho do
imerecido título de “cidadão benemérito” de minha terra. Deixa isso prá lá e
vamos em frente. Sei muito da trajetória de Eder. O porquê? Quando Pedro Luiz e
Mário Moraes deixaram a Bandeirantes e senti que poderia ser também o locutor
titular de boxe fui procurar Kid Jofre na sua Academia, na rua Santa Efigênia e
que era patrocinada pelo São Paulo F.C.. Subi ao ringue e fiz um treinamento de
aprendizado com o próprio Eder.
Eder Jofre nasceu numa academia de boxe
Agrego que Eder
nasceu na primeira academia dirigida por seu pai e que ficava na rua do
Seminário, no centro de São Paulo. A partir do que narro nos tornamos grandes
amigos e durante muitos anos, praticamente todos os meses, ficávamos um largo
tempo ao telefone. Eu telefonava num mês no outro ele me procurava. Eder
recorria ao velho Flávio para recordar muita coisa que já não estava por último
em sua memória e que para mim é algo como se os vivesse agora. Mesmo com o peso
de tantos anos tenho uma memória de elefante. Era o prenúncio do mal que o
acomete no presente. Uma encefalopatia traumática e que no passado era
conhecida como demência pugilística. Não se trata de Alzheimer segundo a
família. Milton Rosa, Fernando Barreto e Paulo de Jesus, grandes pugilistas
brasileiros nas décadas de 1960/70 sofreram desse mal. Está muito em voga nos
Estados Unidos por estar vitimando jogadores do futebol americano. E também
aqui no Brasil pelos choques cabeça-cabeça entre os profissionais de nossos
gramados. Bellini o grande capitão do primeiro mundial da FIFA que o Brasil
conquistou deixou em testamento seu cérebro para estudos na medicina da USP.
Mas, voltando ao programa da Rede Globo este foi construído em cima de
sucessivas mentiras. As lutas ali exibidas, contra Medel e contra Legra são
figurações com sósias dos lutadores de então. E a narração que consta nos
créditos como sendo minhas e do Pedro Luiz não são de nenhum dos dois. O locutor
que as profere, de boa qualidade, deve ter escrito as minhas narrativas e
decorado ou lido na hora do trabalho. Usa também as minhas frases e minha
inflexão. Do Pedro Luiz, que considero o maior locutor esportivo do Brasil em
todos os tempos não tem absolutamente nada. Pedro nos deixou há muito tempo.
Kid Jofre Jamais foi agressivo com Eder
Aristides Jofre
jamais foi um carrasco para Eder como no filme é mostrado. Tinha, sim, seus
momentos de azedume, mas era um admirador do filho e um homem de bom trato.
Como Eder, era um gozador e piadista inveterado e jamais trataria um pupilo,
ainda mais sangue do seu sangue e sua maior esperança de sucesso como técnico
de boxe e de ganhar um título mundial. Kid Jofre, antes de vir para o Brasil
ordenhava vacas leiteiras em San Justo, ao sul de Buenos Aires. Os empresários
de Eder jamais foram malandros como o filme quer exibir e o grego/americano
George Parnassus jamais teria declarado que só pagaria 10% da bolsa combinada
se Eder, na luta contra Medel, caísse antes do 5º assalto e não houve em
momento algum aquela ironia dos jornalistas norte-americanos menosprezando o
lutador brasileiro, chamando-o de gorila principalmente por parte de Parnassus,
que já tinha vindo ao Brasil para vê-lo em ação e sabia de seu valor. Pura
exploração de um desenfreado sensacionalismo.
O absurdo dos absurdos!
E pasmem! Absurdo dos
absurdos. Eder não ganhou o título mundial dos galos na luta contra Medel como
insinuam os filmes. O campeão era Joe Becerra, também mexicano e estava acertado
que Eder e Medel competiriam para saber quem teria o direito de desafia-lo.
Acontece que Becerra nesse Ínterim perdeu o título mundial para o desconhecido
Eloy Sanchez, outro mexicano e tiveram que reformular a ordem geral e a luta
entre Eder Jofre e Joe Medel classificaria um dos dois para lutar contra Eloy
Sanchez, o que aconteceu no dia 18 de novembro de 1960 no Olympic Auditorium,
de Los Angeles, onde também Eder nocauteara Medel, ambos os duelos presenciados
por 10 mil mexicanos entusiasmados e por meia dúzia de brasileiros que para lá
viajaram. No filme e na minissérie Eder é anunciado pelo locutor como
desafiante quando o que havia em seguida seria um duelo classificatório para
que o vencedor realmente adquirisse condição de desafiar depois o campeão.
Considero que a minissérie não fez justiça a grande família dos Jofre/Zumbano,
a maior dinastia do boxe que o Brasil já teve e que nenhum país do mundo jamais
terá e se dou esse testemunho nestes escritos é para que as gerações atuais que
sequer conheceram Pelé e muito menos a Eder Jofre saibam que houve um dia em
nossas plagas um craque vestindo luvas e esgrimindo no tablado como um
Nijinski, Nureyev ou Baryshnikov. Irradiei também as lutas desse gênio da então
nobre arte no Japão em 1965 e 66 e a primeira é até hoje o recorde brasileiro
de audiência numa única transmissão esportiva. Eder era um peso galo com
“pegada” de peso médio e que depois em 1973, já com 37 anos, conquistou ainda o
título mundial dos penas em combate histórico travado em Brasília diante do
cubano naturalizado espanhol, José Legra, também um fora de série, mas que foi
vencido de forma inexorável pelo talento de nosso maior craque dos ringues de
ontem, hoje e amanhã.
*O autor
Locutor esportivo e
jornalista brasileiro. Nasceu em Presidente Prudente, São Paulo, em 29 de julho
de 1934. Iniciou-se no rádio em sua cidade natal, em 1950 e 7 anos depois
transferiu-se para a Rádio Bandeirantes, de São Paulo, onde ficou até 1981.
Como narrador
esportivo militou depois até 1986, na Rádio Gazeta de São Paulo, cumprindo uma
jornada de trinta anos de atividade. Como comentarista, militou até 2002, na
Rádio Central de Campinas.
Publicou o livro “O
Rádio, O Futebol e a Vida”, Editora Senac, resgatando fatos marcantes e
acontecimentos pitorescos da sua carreira profissional.
Atualmente, reside em
Poços de Caldas, Minas Gerais, e faz comentários no programa “Positivo e
Negativo”, na Rádio Cultura de Poços de Caldas.
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