(Quinta Parte)
O
revoltado, em Albert Camus, tem um princípio simples a seguir: “não aceitar o injusto, recusar a criação,
contestá-la todo momento. Afirmar o homem, afirmar o direito à justiça e à
felicidade, é a tarefa do revoltado”. Mas, tudo dentro do relativo, pois o
excesso caracteriza o absoluto.
Em
toda a sua obra, a partir de Contato,
Marly de Oliveira segue o preceito acima citado. Ele jamais aceita o injusto,
ao contrário, contesta-o a todo instante e recusa a criação. Este último é
bastante polêmico, pois há a renúncia, novamente confirmada, de Deus, como
criador. A verdade dessa recusa feita por ambos, Marly e Camus, pauta-se
no desprezo que Ele relegou ao mundo. Se o amasse, não deixaria tanta dor
permanecer. Em A Força da Paixão e em A Incerteza das Coisas, Marly responde ao pensamento camusiano:
O deus que nasce é contumaz
merecedor de fé. Não é perverso
como dizem as más línguas,
nem tão bom que não permita
mil crianças morrendo em seu lugar
- destino inescrutável.
(FP.
p.42)
Tudo é fruto do arbítrio
de um implacável Deus
que segundo nos dizem
quer nosso bem, e, pois nos ama
de forma tão tortuosa e tão cruel.
(IC.
p.92)
Se o
revoltado não chegar à inexistência do Ser criador, chegará invariavelmente ao
antiteísmo, pois a existência de tanto horror aos humanos, faz com que Deus
perca sua glória. Mas, o fato de Deus não existir, revela a opção pelo humano.
Assim, o ateísmo aparece, na verdade, como uma forma de salvar o Criador de
qualquer questionamento, inclusive sobre sua existência.
O
indivíduo revoltado, mediante tal constatação, vê-se só. Mas, isso encerra toda
uma responsabilidade que ele tomou para si, pois sem Deus e sem regras
absolutas, o homem é plenamente livre. A responsabilidade que antes pertencia à
divindade [vista como uma situação trágica, porque o homem está à mercê das
vontades supremas], com sua morte passa a ser do homem. Portanto, o homem
inteira-se de que “a liberdade exige o estabelecimento de limites normativos da
ação: a ausência da lei não é liberdade. O homem deve, definitivamente, “considerar-se como uma fatalidade, não
querer se fazer de outro modo do que se é” (CAMUS, 1963, p.95).
Os
dois poetas, em suas obras, buscam mostrar aos homens quem são e como a
humanidade é. Para isso, tecem seus textos com um fio base: o calor do mundo
diante da súplica humana. O mutismo traduziria ou, pelo menos, abordaria o
conceito de trágico trazido por ambos, pois, toda mudez é separação, mas seus
escritos buscam a união e a felicidade humana. Assim, a ação de enfrentamento mostra-se
como possível solução, diante da condição de vida:
E foi assim que dei de rosto
com a humana desventura,
preferindo sucumbir
a essa chama interna e pura
a ter por bem assentado
o entendimento do mundo,
ou melhor, a sua fábula,
o esplêndido banquete
para a curiosidade
de artífices, capitães,
reis, filósofos, teólogos
que andam atrás da verdade
como uma pessoa viva,
uma pessoa que exista
com carne, osso e coragem
(Oliveira,
1988, p.53)
Marly
de Oliveira, “de carne, osso e coragem”, irá atrás da verdade humana em seus
poemas. É o grito da carne que a poeta ouve e exprime em Contato, Invocação de Orpheu,
A Força da Paixão e A Incerteza das Coisas. Neles, tem-se o
homem absurdo e revoltado que se importa com os outros, busca a união entre os
feitos de barro e deserdados pelos deuses. Marly está no encalço da consciência
que alerta para a vivência alienada e salva pela revolta e pelo amor.
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