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A doença da beleza



Romance com tema atual de escritora de Brasília




A narrativa Fome de Rosas, publicada em 2009, está entre as mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Ela mostra a vida de Alice, de classe média alta, jovem e bonita, que emagrece a olhos vistos. Na tentativa de se manter como as modelos muito bem favorecidas profissional e financeiramente? Ela queria seguir o protótipo que impele tantas moças em nossa época?
Rosângela Vieira Rocha propõe-se em desvendar o segredo dessa moça, que resvala para a espiritualidade. Até que ponto ela pretende parecer uma estrela da moda e conquistar seletas plateias? É um livro que desperta curiosidade, mas também solidariedade, porque alguém sofre e ninguém pode fazer algo para melhorar a angústia de Alice.
A personagem sofre de anorexia nervosa, uma síndrome caracterizada por profunda aversão aos alimentos, acarretando magreza e, às vezes, graves carências nutritivas. Observa-se, habitualmente, em mulheres jovens, sendo resultante de conflitos emocionais.
Após a publicação do conto “A oitava onda”, vimos que a produção de Rosângela se insere no panorama das inquietações femininas de que trataram seus dois livros anteriores, Véspera de Lua e Rio das Pedras, dando continuidade a questões que vem abordando desde que começou a escrever. Nessa nova literatura, de mulher do novo milênio e seus problemas e aspirações, a escritora procura dar uma visão lúcida, bem-humorada, verdadeira, algo que retrate a opressão sofrida pela mulher.
Rocha conta uma história que resultou de alta qualidade, mais do que os romances anteriores, focalizando um tema atual, que aparece nas páginas dos jornais, desde as colunas sociais às editorias da área de saúde ou de polícia, tanto na TV como na Internet. A autora de Brasília superou dificuldades e conseguiu elaborar uma novela que fascina. Quanto ao título, não é muito sugestivo, percebe-se um lado poético. Quem sabe, a exemplo de “A Doença da Beleza”, “A Fome Compulsiva de Alice, ou “ A Síndrome da Modelo”, coisa assim, uma carga mais atrativa e vendável.
A obra não se pauta por um movimento linear. Pelo contrário, os fios do enredo se emaranham, imprimindo um ritmo convincente e envolvente de estados oscilantes, um estilo que vai do lírico ao patético, do prosaico ao insólito, entremeado por muita ironia e um humor oblíquo, que o leitor descobre aos poucos. Já se aproxima às escritas de Clarice Lispector e Caio Fernando Abreu ao transmitirem os estados melancólicos e depressivos dos personagens. Conforme análise, a protagonista se afoga num pântano de imagens confusas: como entre os neuróticos e obsessivos, seu espírito está fendido e os pensamentos asfixiam Alice. O desejo de comer as rosas, no sentido figurativo, vem ampará-la nessa vagueação. Outro fator peculiar à prosa de Rosângela está no fato de a narrativa ostentar elementos que lembram aos leitores visões cinematográficas no desenrolar das tramas, numa descrição vívida de sensações, cores, sentimentos e sons.
A história constitui uma nítida transmutação por que passou a obra de Rosângela Vieira Rocha. Há certas semelhanças, por exemplo, com A Fúria do Corpo (1981), de João Gilberto Noll, em que um ser social oprimido pelas forças coercitivas da sociedade contemporânea almeja uma liberdade total e plena. Já em Harmada, também de Noll, o narrador, crendo-se livre dessas tais "pressões externas”, busca um não-sei-quê além da liberdade. Afora isso, e também ao contrário de suas narrativas predecessoras, em que os personagens vagam a esmo, aqui se parece divisar ao longe um norte, uma esperança ainda que utópica, representada pelo romance Harmada.





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