Fernando Pessoa, o Shakespeare lusitano
Em homenagem ao seu 123º aniversário de nascimento
Fernando Pessoa é o mais alto poeta moderno de sua língua. Devemos colocá-lo no rol dos artistas mundiais, a exemplo de Pablo Picasso, James Joyce, Braque, Stravinski e Le Corbusier. Todos os traços típicos dessa grande equipe encontram-se condensados no grande poeta português.
Pessoa deve ser colocado entre os grandes poetas da “estruturação”: estes, na opinião dele próprio, “são mais complexos naquilo que exprimem, porque exprimem construindo, arquiteturando, e estruturando”, e um tal critério os situa adiante dos autores privados das qualidades que fazem a complexidade construtiva. Ele pertence à linhagem dos poetas-engenheiros ou poetas-geômetras, que vêm de Edgar Allan Poe (que ele traduziu) e de Mallarmé (que ele leu bem e que influenciou, aparentemente, os sonetos herméticos da primeira fase da poesia pessoana, Passos da Cruz, 1914-1915. (...). É o poeta do verbo ser e de seus desdobramentos e desenvolvimentos, por alternativas de afirmação e negação.
A obra do escritor português é uma arte essencialmente dramática, cuja complexidade se acha submetida a uma estruturação integral. As supostas incoerências e contradições nos escritos poéticos e teóricos de Pessoa refletem, em realidade, o diálogo interno do autor, que ele mesmo busca transformar numa complementariedade dialética dos três poetas imaginários, Alberto Caeiro e seus discípulos Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Nada em sua vida é surpreendente – nada, exceto seus poemas. Seu segredo, ademais, está escrito em seu nome: Pessoa quer dizer persona (pessoa) em português e origina-se de persona, máscara dos atores romanos. Máscara, personagem de ficção, nenhum: Pessoa. Sua história poderia reduzir-se ao trânsito entre a irrealidade de sua vida cotidiana e a realidade de suas ficções. Estas ficções são os seus poetas heterônimos (Caeiro, Campos, Reis) e, sobretudo, o próprio Fernando Pessoa.
Como toda criação, esses poetas nasceram de um jogo, a arte é um jogo – e outras coisas. Mas, sem esse jogo não há arte. A autenticidade dos heterônimos depende de sua coerência poética, de sua verossimilhança. Foram criações necessárias pois, de outro modo, Pessoa não teria consagrado a sua vida a vivê-los e criá-los; o que conta, agora, não é que tenham sido necessários para o seu autor e, sim, que o são também para nós. Pessoa, seu primeiro leitor, não duvidou de sua realidade. Reis e Campos disseram o que talvez ele nunca diria. Ao contradizê-lo, expressaram-no; ao expressá-lo, obrigaram-no a inventar-se. Para o poeta e pensador Octávio Paz, que tão bem traduziu o eu profundo e os outros eus de Fernando Pessoa, como “o desconhecido de si mesmo”: “Escrevemos para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Em um ou em outro caso, nós buscamos a nós mesmos. E se temos a sorte de encontrar-nos – sinal de criação – descobriremos que somos um desconhecido. Sempre o outro, sempre ele, inseparável, alheio, com teu rosto e o meu, tu sempre comigo e só.”
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