Quando
Paulo Lins escreveu Cidade de Deus imaginou
o sucesso e o impacto, tudo que o livro poderia render para si próprio e o seu entorno.
Já tinha essa perspectiva, antes do livro ser lançado e, por isso, não desistiu.
Sabia com a maior clareza que estava fazendo alguma coisa que ia ser fora do
normal e iria repercutir. Seu romance virou filme pelas mãos de Fernando
Meirelles e fez muito sucesso no Brasil e no exterior. Pela qualidade de seu
primeiro romance, o mundo das letras considerou um marco da prosa contemporânea
brasileira e um dos escritores mais respeitados da atualidade. Conforme
declarou em 21 de outubro, último domingo, na sala “Bate-Papo com o Autor”, mediação de Celso Aguiar, às 19h30, no 3º
Salão do Livro de Presidente Prudente, Centro de Eventos IBC, na Rua Hugo Lacorte Vitale, Nº 46, Vila Furquim.
Nascido
no Rio de Janeiro na década de 50, Paulo Lins cresceu na favela carioca Cidade
de Deus e apaixonou-se, ainda criança, pela literatura. Nos anos 80, fez parte
de alguns grupos de poesia e se formou em Letras pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) que lançou seu primeiro livro de poesias que se chama Sobre o Sol, de 1986. Além de poeta, Paulo
Lins trabalha como professor, roteirista de televisão e de filmes como Quase 2 Irmãos, Orfeu, entre outros. Sua
mais recente criação é o roteiro para o filme Faroeste Caboclo, baseado na letra da música de mesmo nome do
Legião Urbana.
Paralelamente
ao trabalho literário, militou em diversos movimentos no bairro onde cresceu: um
dos fundadores do cineclube, participou do movimento negro, da associação dos
moradores e ainda desenvolveu aulas no bairro. Esse contato com a comunidade
facilitou o trabalho de pesquisa antropológica sobre criminalidade,
desigualdade social, dinâmica social e as classes populares que fazia na favela
para a antropóloga Alba Zaluar. Incentivado por ela, que notou a predisposição
e criatividade de Lins às palavras do que para a antropologia, e também pelo
crítico literário Roberto Schwarz, os oito anos de pesquisa acabaram servindo
de base para um romance (Cidade de Deus)
que iria causar um giro de 350 graus na sua vida.
A Dinâmica Social das Favelas
Além do mais, a favela tornou-se um lugar rico, porque
cresceu muito. É por isso que a favela é igual à senzala e a neo-favela é igual
aos Quilombos. Ela agora tem um comércio interno, tem mercado, tudo lá dentro
criado pelos próprios moradores, e tem grandes empresas e muito dinheiro com o
tráfico de drogas que emprega um volume grande de gente. Tem o comércio de
ferro velho que vende peças roubadas, há a feira de Acari…E existe a classe
média que vai lá para gastar dinheiro, para ir a festas, para namorar. Na
favela antiga a classe média não ia de jeito e maneira!
Heloísa Buarque de Hollanda: Na nova cultura produzida pela
periferia a literatura tem vez?
Paulo Lins:
O problema é que não existe escritor que não leia, isso é impossível! Se não se
tem leitura, se não se tem bibliotecas, não aparece o escritor. As bibliotecas
da Escola não são dinâmicas, não atraem. E não basta ir ao cinema, ao teatro,
sem ler não há o gosto, o senso crítico do escritor. O único escritor da
periferia que eu poderia citar é o Ferrez que escreveu Capão Pecado. Às
vezes surge um escritor independente parecendo que vai acontecer, mas não
acontece.
Heloisa Buarque de Hollanda: O que você acha do Rap como
conscientização? O rap tem impacto político na favela?
Paulo Lins:
A música sempre teve esse lado social. Não estou pensando no samba porque o
samba não tem isso. Mas a MPB, a música da elite, como a do Chico Buarque, do
Taiguara, as músicas cabeça que eles faziam tinham todas esse lado
conscientizante, engajado...
Heloisa Buarque de Hollanda: O Rap tem o mesmo imput político do
que a MPB? Ou é uma outra coisa?
Paulo Lins:
A diferença é que o Rap fala de dentro. Como foi o meu caso. O Rap fala com sua
própria linguagem, sobre os seus problemas e os da própria comunidade, e isso é
interessantíssimo! O Mano Brown vendeu três milhões de discos sem aparecer na
televisão, sem mídia nenhuma. Ninguém conhece a cara dele! Vendeu tudo isso nas
favelas, rodou o Brasil inteiro! Várias pessoas saíram da criminalidade por
causa do Rap, do Hip Hop, da break dance... Dançam, ouvem aquelas letras
imensas, barrocas, que falam da realidade deles, o cara acaba rejeitando a
criminalidade. Os rappers são os ídolos das crianças na favela. Tudo isso está
valendo a pena fazer. Tem o MVBill que está fazendo um trabalho maravilhoso…
Heloisa Buarque de Hollanda: Você encontra equivalência desse
tipo de trabalho fora do eixo Rio-São Paulo?
Paulo Lins:
Encontra. Fui a um show de rap em Pelotas impressionante. Um monte de maluco,
aquela negada toda dançando rap com consciência...Depois, eles vão aos
hospitais, às escolas, fazem bibliotecas. Cada um dá uma grana, é trabalho de
mutirão mesmo!
Heloísa Buarque de Hollanda: O que você acha que vai ser do
Brasil daqui a 20 anos?
Paulo Lins:
Eu estou muito otimista, acho que agora chegamos num momento que ficou claro
que essa intolerância não dá mais. Que a segregação social e racial não dá
certo. O próprio sistema de informação, mais ágil, acaba dando uma consciência
de que não dá para continuar tendo gente passando fome no País. Acho que está
tendo uma tomada de consciência por parte das elites também. Até a própria
Universidade está abrindo mais, está mais preocupada com trabalhos sociais. A
própria eleição do Lula mostrou como está havendo hoje, no Brasil, um desejo de
mudança muito grande. E isso vai acontecer.
(Fragmentos
de uma entrevista à Heloisa Buarque de Hollanda)
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