Escultura de Demétrio Albuquerque, na rua da Aurora, em Recife
O rigor da poesia pedagógica das formas geométricas
Vinícius de Moraes, com certeza, não
se importaria de ver o título de um de seus poemas mais famosos, ser utilizado
para apresentar João Cabral de Melo Neto, outro poeta operário que usa palavras
na construção de suas obras.
O
poeta aprendeu a ler recitando para peões reunidos depois da jornada de
trabalho, os romances de cordel por eles comprados nas feiras. podemos adentrar
no universo atraente e complexo criado por João Cabral a partir do rio, do
barro, da pedra, das árvores, dos canaviais da Zona da Mata, dos engenhos, da
cidade, do mar e do mangue, dissecado por dentro e por fora e, ainda, as
paisagens inóspitas da Andaluzia refletidas nas paisagens do agreste
nordestino. O universo poético de João Cabral, seu assunto e sua inspiração,
provém de sua terra, o nordeste e seus habitantes.
João Cabral de Melo Neto não é um
poeta lírico, envolvido nos profundos labirintos da individualidade. É, antes
de tudo, um descritor, desenhista e pintor de paisagens, de pessoas ou de
situações. Esses quadros, ele os faz com precisão geométrica buscando um
equilíbrio de tons, formas e sonoridade, por meio de um raciocínio lógico
matemático, motivo pelo qual é considerado difícil de ser entendido. Ele tinha
aversão à poesia derramada e pelos excessos de sentimento
Esta suposta dificuldade,
entretanto, não impediu João Cabral de tornar-se um dos mais populares poetas
brasileiros. Seu Auto de Natal Pernambucano “Morte e Vida Severina”, foi
apresentado no teatro, cinema e televisão, e em vários países ganhou muitos
prêmios e, ainda hoje, é recebido e representado com o mesmo calor com que foi
recepcionado na sua primeira apresentação em 1958, no Primeiro Festival
Nacional de Teatro de Estudantes, quando João Cabral ganhou o prêmio de melhor
autor teatral.
O rigor e a concisão de seu
trabalho, aliados à beleza dura de seus versos - marcados pela presença
constante da morte - deram, ao pernambucano João Cabral de Melo Neto um lugar
muito especial entre nossos poetas. Com 17 obras publicadas desde 1942 - quando
editou Pedra do sono ainda em Recife
-, este diplomata de carreira é considerado um dos marcos da literatura
brasileira contemporânea. Conhecido do grande público principalmente através do
poema Morte e Vida Severina - várias
vezes encenado nos palcos e até na televisão – João Cabral lançou em 1999, Tecendo a Manhã, que foi o último livro
de sua carreira. Afinal, este artista talentoso do labor e da minúcia, aos 66
anos temia a marca da decadência que a velhice pode trazer à criação.
Obras
Pedra do
Sono (1942)
Os Três
Mal-Amados (1943)
O
Engenheiro (1945)
Psicologia
da Composição com a Fábula de Anfion e Antiode (1947)
O Cão sem
Plumas (1950)
Poesia e
Composição (1952)
O Rio ou
Relação da Viagem que faz o Capibaribe de sua Nascente à Cidade do Recife
(1954)
Morte e
Vida Severina (1955)
Dois
Parlamentos (1960)
Quaderna
(1960)
A Educação
pela Pedra (1966)
Museu de
Tudo (1975)
A Escola
das Facas (1980)
Auto do
Frade (1984)
Agrestes
(1985)
Crime na
Calle Relator (1987)
Primeiros
Poemas (1990)
Sevilha
Andando (1990)
Tecendo a
Manhã (1999)
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
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