Imagem: Maurício DS
SÓ NO VISUAL
“A dor da gente não
sai no jornal” in Noticia de Jornal (Luís Reis e Haroldo Barbosa) na voz de
Chico Buarque
as
pessoas estão nas ruas ou
das ruas as pessoas fugiram
é
hora de dizer a que vieram ou
vieram sem saber porque
se
o movimento diz 100 mil e
a autoridade diz 20 mil
ou
menos ou mais quem creditaria? ou
mais ou menos quem desconfiaria?
Só
no visual percebemos só
no virtual ainda cremos
Estamos
no mesmo barco à deriva ficamos no
mesmo parto da esquina
indo
ao trabalho voltando pra casa
construindo
projetos realizando
as promessas
por
sonhar pagando os tributos que
aos santos prometidos foram
mas
seguimos em frente e
esquecidas foram as lições
isto
é vida, caminhar, renovar vamos
recordá-las, reconquistá-las
sem
guia de egolatrias e
redistribuí-las igualmente
que
os mesmos sonhos queremos
para
sentarmos à praça
para
compartilharmos do mesmo pão
para
encontrarmos um mesmo abraço
mesmo
sendo diferente o refrão
( Página 89 )
Comecemos pela leitura atenta do texto.
Poder-se-ia ler cada parte isoladamente ou o verso retilíneo, corridamente. No
todo, ou em cada parte, o sentido muda, mantendo-se o tema. O poemeto, nesta
indagação, adquire suas dimensões, não destoando, porém, do objetivo: Uma
crítica social, pois elaborado foi o título: “Só no Visual”, por se ter uma
acuidade do que se pretende da mensagem. A seguir, cada verso nos dimensiona
num momento de resolução: “Estar nas ruas X fugir das ruas; dizer a que vieram
X sem saber por que; diz 100 mil X diz 20 mil”... A figura antítese define a
justaposição de palavras e também de ideias opostas obtendo um efeito
expressivo; creditaria X desconfiaria; percebemos X cremos; barco à deriva X
parto da esquina; trabalho X casa... Esse jogo de palavras enfeita o texto,
enriquece a linguagem e se percebe que a expressão é sempre expressão de uma
emoção, vivida pelo poeta a nos dirigir para a senda da poesia, pois ela diz o
mundo; aliás ela não faz conhecer, mostra-o. Aí se encaixa a potencialidade da
poesia, ou melhor, da vida afetiva do poeta a nos transmitir sua inspiração. A
problemática eminentemente social, ou grupal, aqui e ali, se evolui para uma
problemática individual, tendo em vista a expressividade ligada,
obrigatoriamente, à afetividade humana. Com isso e por isso o poeta produz
imagens, pois sentido e imagem são o mesmo. Nota-se, então, a percepção das
palavras: barco à deriva, parto da esquina, construindo projetos, realizando
promessas. Por isso, interrogar-se como poeta sobre a poesia é evocar o mundo.
( Fragmento do
prefácio de Benjamin Resende, Página 13 )
008
Morrer
tão completamente!
Que um
dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem:
“Quem foi? /
Morrer
mais completamente ainda, /
Sem
deixar sequer esse nome.
Manuel Bandeira in “Morte Absoluta”
QUAL
TEU GESTO PERMANECE NA LEMBRANÇA
O
medo de tua presença?
A
alegria de tua ausência?
Um
dois de novembro sem visita?
A
missa dos anos esquecida?
O
silêncio de tua lambança?
Promover-tepor
te se ausentado?
Celebrar-te
com fogos o teu passado?
Poder
respirar-te com fogos o teu passado?
Poder
respirar-te as medalhas conquistadas?
Ou
guardar-te nas gavetas dos perdidos?
( Página 87 )
052
Oh senhor cidadão. / Eu quero saber, (...) /
Com quantas mortes no peito / Se faz a
seriedade?
Tom Zé
in Senhor Cidadão
QUAL
A COR DO TEU SANGUE EM MINHA LÁGRIMA
Que
lástima tenho eu em ver-te um trapo
Lavado
em pólvora espalhada na estrada
Da
perplexa idade que carregas
Quão
simples seria estirar-se ao chão
Para
rodar pião ou brincar bola de gude
Mas
o cuspe dessas armas não limpam
A
lágrima pisada em sangue
( Página 41 )
111
Carlos Freixo
Poesia
104
Páginas
Viena
Editora Gráfica
Capa/Ilustração: Leonardo Ferreira
Presidente
Prudente – São Paulo
2016
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