Nenhuma história deve
ter comovido tanto os leitores brasileiros, nos últimos anos, quanto à da jovem
dependente química Heleninha, relatada de forma realista e comovente no romance
Terror e Êxtase, pelo escritor,
cronista e jornalista José Carlos Oliveira, o Carlinhos Oliveira. Assim como
outras histórias igualmente trágicas – a da jovem alemã Christiane F e da
brasileira Sandra Mara Hezer. – a de Heleninha, uma adolescente rica da
sociedade carioca, de apenas 17 anos, moradora de Ipanema, choca, horroriza e
revolta por tratar de alguém infelizmente muito próxima de nós. Helena é
brasileira. Helena pode ser nossa irmã. Ou nossa filha. Ela segue ao lado do
temido bandido 1001, ladrão e assassino criado na Baixada Fluminense, que aterroriza
a zona sul do Rio de Janeiro e só faz aumentar a paixão que Heleninha sente por
sua imagem de líder autoritário, frio, calculista e violento.
Terror e Êxtase é um novelo de relacionamentos, de comportamentos,
em quilos de cocaína, em doses de bebidas, de violência, de desigualdades
sociais e econômicas. Uma das raras vezes em que alguém tratou das populações
invisíveis, discriminadas e marginalizadas e seus problemas sem falso
moralismo, sem paternalismo. Seu retrato duro, seco como as pedras pintadas
brotando dos corpos dos retirantes de Candido Portinari, atinge a violência de
um soco no estômago, num tremendo impacto. Um crítico mordaz e impiedoso dos
males de nosso tempo, servido por um amplo domínio dos recursos narrativos.
Politicamente engajada, a ficção de Oliveira não tem conotações partidárias ou
doutrinárias, estando mais comprometida com a política dos cidadãos do Brasil,
suas frustrações, suas mazelas, suas esperanças, seus anseios de independência
e de liberdade.
No romance policial,
Oliveira não deixa qualquer resquício de sua vida privada. Essa obra, o autor,
com sua argúcia de jornalista e sua experiência de comportamentos sociais
auridas nos bares da vida, irá tratar, pioneira e premonitoriamente, do conluio
entre a criminalidade dos morros e a sociedade carioca. E fundamentalmente, denuncia
uma rede maior de poder paralelo, que inclui política e economia, que dá as
cartas nesse jogo perigoso. Sem ser um livro que reflete determinada época,
mesmo sendo publicado em 1977, ele retrata o Rio de Janeiro de hoje, pois é uma
completa, cortante e reveladora dissecação da face obscura e babilônica da
cidade maravilhosa. Demonstrando o puro marketing das agências de propaganda,
em parceria aos meios de comunicação, às redes sociais, aos setores turístico
sexual, hoteleiro, da diversão, do entretenimento e da especulação imobiliária.
Mas cabe ressaltar que Oliveira, ao buscar verossimilhança total, um “desenho
lógico” perfeito em sua obra literária, costurando causa e efeito.
Toda a arquitetura do
romance, alternando capítulos de uma nudez realista densa com outros carregados
de pathos, num simétrico jogo de
trevas e luz, conduz num crescendo, o foco da narrativa para o desenlace
dramático. A cena que pinta, ao final do livro, quando o bandido 1001, ao se
explicar para Betinho: - “Desculpe o mau jeito, garotão, mas guerra é guerra!”
E esta não é a sensação que temos na atualidade? A voltagem sobe, pois
emblematiza a frieza e a crueldade de uma sociedade vertiginosa em torno da
velocidade de viver a vida de poder e riqueza (afluência), sem dar a mínima
para as questões “menores impalpáveis”, para a ressocialização, enfim, para o
destino dos protagonistas que seria selado, ali, próximo, bifurcando em dois
caminhos fatais: no fórum da cidade: descartáveis indo para a condenação à prisão
ou no cemitério sob uma cruz.
Um livro para pais,
filhos e educadores lerem juntos. Uma história inesquecível, iluminada e
inteligente. Por outro lado, uma constatação tão amarga, pela inércia, pela
apatia, pelo completo desinteresse das classes políticas e de dirigentes. Eles
não querem discutir esse assunto. Eles não querem “perder tempo” com esse tipo
de coisa: seres humanos. Devia ser lido em audiência, além de esfregado na face
de todos: magistrados, autoridades, policiais, advogados, ainda que calejados
pelo horror dos ignorantes e dos comodistas, com ou sem poder. Não existem inocentes.
Porque o alto teor de densidade e crueldade de Terror e Êxtase deixa marcas profundas que doem como ferro em
brasa. E Oliveira tira da vida o documento mais pungente. Ele representa na
Literatura Brasileira de hoje a juventude que se dilacera, na tristeza e no
desencanto.
TERROR
E ÊXTASE
José
Carlos Oliveira
126 Páginas
Editora Codecri
Rio de Janeiro – RJ
1977
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