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Capitalismo sindical


 
João Bernardo analisa, no livro Capital, Sindicatos e Gestores, um fenômeno singular: o desenvolvimento do capitalismo dos sindicatos. Ele é financiado diretamente por quantias extorquidas aos trabalhadores. As cotizações sindicais se constituem numa grande massa monetária que, se não for usada para fundos de greve ou apoio a outras lutas operárias, tende à desvalorização. Daí a razão dos sindicatos constituírem bancos próprios, adquirirem terrenos urbanos, empreenderem construções. Na medida em que o sindicato não concebe a aplicação desses fundos em outras formas de luta dos trabalhadores, ele realiza um investimento capitalista.
As diretorias de sindicatos na Alemanha, na Suécia, nos Estados Unidos e em Israel, consentem em reduções salariais dos seus associados em troca de compra de ações de empresas, participação nos Conselhos de Administração e acesso a informações confidenciais. Utilizando inúmeros exemplos com empresas desses países, João Bernardo mostra que é com o dinheiro que os trabalhadores poderiam ter ganho mas não ganharam, com essa diferença entre os salários normais ou previstos e os salários reduzidos, que as direções sindicais sustentam sua ascensão na hierarquia da administração capitalista das empresas. Os trabalhadores financiam a aquisição de capital pelos dirigentes sindicais.
Um bom exemplo é o caso da General Motors, onde o organismo de administração conjunta composto pela UAW (Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automobilística) e pela General Motors, concordou na alteração das normas de trabalho, que reverteria num aumento de 10% da produtividade média em toda a companhia, representando uma economia de 2,4 bilhões de dólares, além de um corte nos custos do trabalhador calculado em 3 bilhões de dólares nos 29 meses seguintes, devido à redução em salários e regalias. Na GM trabalham, só nos Estados Unidos, 350 mil assalariados. Em 1981, os lucros foram de 333 milhões de dólares. Os trabalhadores ficaram muito escandalizados, porque, após a assinatura do acordo, a empresa anunciou a concessão de elevados bônus na remuneração dos administradores (da empresa e do sindicato, p.48).
Assim, esclarece o autor, quando um representante sindical participa do Conselho de Administração de uma empresa ao lado de elementos do patronato tradicional, as diferenças atenuam-se, é uma classe gestorial absolutamente unificada que toma corpo! (p.55). No capitalismo, participar na gestão é participar na propriedade, argumenta. Gerir é “gerir o trabalho realizado pela classe proletária.” (p.55).
Quem aceita as reduções salariais, são os trabalhadores. Quem recebe por isso o direito de participar no Conselho de Administração das empresas, e adquire em nome da diretoria lotes de ações? É o sindicato. Na Suécia, em outubro de 1982, após o Partido Social Democrata regressar ao poder, a moeda foi desvalorizada em 16%, o que acarretou melhoria da competitividade empresarial e aumento dos lucros. Para incitar o patronato a investimentos impedindo que parte desses lucros servisse a reivindicações dos trabalhadores, “o governo estabeleceu um acordo com os sindicatos. Estes impediam as reivindicações salariais ultrapassarem determinado nível. Em troca, os sindicatos obteriam do governo uma lei que colocaria em funcionamento os fundos regionais”. (p. 42).
Na segunda parte do livro intitulada “Gestores, desenvolvimento histórico e unificação de uma classe”, demonstra como regimes aparentemente inimigos, fascismo, New Deal e stalinismo, na prática, significaram a autonomia dos gestores na organização da exploração da mão-de-obra. Especial atenção recebe nesta segunda parte a ideologia terceiro mundista que, ao privilegiar o conceito de nação em detrimento do conceito de classe, encobre a dominação de novas burocracias exploradoras sobre a massa de trabalhadores.

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