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Sempre cronista de si mesmo


Oliveira: Momentos de poesia e sofrimento



Em dezembro de 1985, o cronista, romancista e jornalista José Carlos Oliveira, o Carlinhos Oliveira, como era conhecido, resolveu voltar ao Espírito Santo, terra onde nasceu. Lá, ele pretendia realizar seu projeto mais ambicioso: escrever o livro Meditação da Terra Natal, sobre essa volta às origens. Desde 1984, quando fez uma consulta médica em Paris, ele sabia que restava uma curta sobrevida. Uma pancreatite aguda impedia a realização do acalentado projeto. Carlinhos morreu em 13 de abril de 1986, no Hospital da Associação dos Funcionários Públicos do Espírito Santo.
Estava com 51 anos, dos quais 34 vividos no Rio de Janeiro, para onde veio aos 18. No Rio, consolidou rapidamente uma brilhante carreira jornalística e literária. Foi através da crônica que se tornou mais conhecido. Publicou-as regularmente no Jornal do Brasil por 22 anos, de 1961 a 1983. Era um mestre no gênero. Atribuía o seu êxito ao fato de se considerar “uma espécie de psicanalista amador da Zona Sul, misturado com cronista.” Personagem lendário do folclore ipanemense, não era difícil encontrá-lo na varanda de um bar, copo de bebida à mão, ar irreverente, vendo o “livro da vida”, como chamava a multidão que passava.
Em suas crônicas, imortalizou o famoso bairro carioca, rendeu homenagens “à graça, à beleza e ao charme da mulher brasileira, mas não se detinha em amenidades. Falava também do Oriente Médio, da África, de processos dos dissidentes russos, em deixar de dar aquele toque leve, aquela alegria ao leitor na hora de começar o dia.” Seu tema principal, porém, foi sua própria vida.
Para outro mestre da crônica, o escritor Rubem Braga, também capixaba, a obra de Carlinhos Oliveira tem “momentos intensamente iluminados de poesia e outros lancinantes de sofrimento.” Do amigo, ele diz que “era, ao mesmo tempo, um grande boêmio e um grande trabalhador, e morreu em plena luta para entregar mais um livro, a estranha história de sua própria existência.”
Neste curto período que passou no Espírito Santo, morando no Hotel Porto do Sul, na praia de Camboriú, Oliveira dirigiu o projeto Oficina Literária, na Fundação Ceciliano Abel de Almeida, da Universidade Federal do Espírito Santo, preparando um romance coletivo com seus alunos. Concluiu um livro de contos, Bravos Companheiros e Fantasmas, com trabalhos inéditos, à exceção de um conto que já foi publicado em revista, e a peça Borboleta 14 e 15.
Sua obra publicada inclui livros de crônicas: Olhos Dourados do Ódio (1963) e A Revolução das Bonecas (1967), e os romances O Povão Desiludido (1972) Terror e Êxtase (1977), Um Novo Animal na Floresta (1979) e Domingo 22 (1981).
 

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