Pular para o conteúdo principal

Como se faz um candidato


Política é uma coisa séria, eleição outra, onde fatores emocionais predominam, e quanto pode custar (em termos de voto) um pequeno erro estratégico numa campanha eleitoral e como modelar a imagem de um candidato neste momento e no Brasil. Na verdade, ele não é muito mais do que um produto a ser vendido.
Em princípio, perfeito: o candidato que estava atrás nas pesquisas faz um cartaz para aproveitar a repercussão de seu mais numeroso comício, para crescer aos olhos do eleitorado como a opção possível à avalancha que se desenhava em favor do primeiro colocado até então. Um pequeno erro, no entanto, comprometeu milhares de reais – à época, milhões de cruzeiros – e outros tantos milhares de votos: a foto escolhida mostra o candidato em primeiro plano discursando, com a multidão ao fundo, como de praxe... Só que olhando para o outro lado. O caso é real, ocorreu com o candidato apoiado pelo ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães, na eleição para a Prefeitura de Salvador, o liberal Edvaldo Brito, triturado depois nas urnas por Mário Kertsz, do PMDB. É claro que o cartaz não explica por si só o resultado da eleição, mas mostra bem que se a propaganda não elege um candidato, ela é bem capaz de ajudar a derrotá-lo.
O fundamental na eleição é administrar a indiferença – de 60% do eleitorado em média – com que a votação é encarada, e isto diz mais respeito à propaganda do que à política. Política ocorre de uma forma ou de outra os 365 dias do ano, eleição é um fato que ocorre de quatro em quatro anos, regido por uma lógica diferente, mais emotiva do que racional. O eleitorado interessado pelas questões político-partidárias não vai além dos 5% do total, e a parcela capaz de ser atingida pelas relações de favor e de clientela chega no máximo a 35%, segundo pesquisas a que se tem acesso. Ficam 60% à deriva, à espera de uma campanha publicitária que os sensibilize. A tentativa correta de aproveitar as qualidades mais facilmente identificadas nos candidatos como o estilo a ser seguido na campanha pode, no entanto, resvalar para a grossura ou a simples repetição.
Embora seja mais comum nas camadas mais pobres da população, o desprezo pelos políticos chegou a uma classe habitualmente cortejada por eles – os empresários. Dispostos a substituir os advogados e fazendeiros que hoje representam a maioria do Congresso, empresários dos mais variados perfis, setores e calibres investem com apetite milionário sobre a Constituinte. “Chega de políticos! Empresários no poder! bem poderia ser o grito de guerra destes novos cruzados do empresariado”, brinca o cientista político René Dreyfuss, autor do mais completo estudo sobre a participação do meio empresarial no golpe de 1964. Dreyfuss alerta, no entanto, que este processo leva em conta peculiaridades regionais e não ter por finalidade derrubar outros setores do patronato, mas sim deter o “aventureirismo direitista”, representado pelas cópias do Paulo Maluf, os setores progressistas e no plano político-eleitoral os modelos do tipo Leonel Brizola. Os empresários têm todo um cuidado ao se apresentar na política, pois procuram parecer em partidos de retórica popular ou mesmo social-democrata. A escolha do PTB pelo maior empresário brasileiro (Antônio Ermírio de Moraes) indica bem este fenômeno, explica Dreyfuss. O cuidado demonstrado pelos empresários com a própria imagem deve ser seguida por todos os que se aventurem na política: a imagem é fundamental. Para atingir a maior parte do eleitorado, é fundamental uma imagem que inspire credibilidade, respeitabilidade e valores deste tipo, mais intuídos que analisados. O estilo amarrotado de quem acabou de sair de uma reunião de trabalho e a fala direta e brusca de Antônio Ermírio de Morais seriam fatais em outro candidato, mas nele se associam à perfeição para reforçar a imagem do sujeito a fim de arregaçar as mangas e trabalhar sem fazer politicagem que ele tenta vender à população.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O PAU

pau-brasil em foto de Felipe Coelho Minha gente, não é de hoje que o dinheiro chama-se Pau, no Brasil. Você pergunta um preço e logo dizem dez paus. Cento e vinte mil paus. Dois milhões de paus! Estaríamos assim, senhor ministro, facilitando a dificuldade de que a nova moeda vai trazer. Nosso dinheiro sempre se traduziu em paus e, então, não custa nada oficializar o Pau. Nos cheques também: cento e oitenta e cinco mil e duzentos paus. Evidente que as mulheres vão logo reclamar desta solução machista (na opinião delas). Calma, meninas, falta o centavo. Poderíamos chamar o centavo de Seio. Você poderia fazer uma compra e fazer o cheque: duzentos e quarenta paus e sessenta e nove seios. Esta imagem povoa a imaginação erótica-maliciosa, não acha? Sessenta e nove seios bem redondinhos, você, meu chapa, não vê a hora de encher a mão! Isto tudo facilitaria muito a vida dos futuros ministros da economia quando daqui a alguns anos, inevitavelmente, terão que cortar dois zeros (podemos d

Trechos de Lavoura Arcaica

Raduan Nassar no relançamento do livro em 2005 Imagem: revista Usina             “Na modorra das tardes vadias da fazenda, era num sítio, lá no bosque, que eu escapava aos olhos apreensivos da família. Amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobria meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma, vergada ao peso de um botão vermelho. Não eram duendes aqueles troncos todos ao meu redor velando em silêncio e cheios de paciência o meu sono adolescente? Que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda?” (...)             “De que adiantavam aqueles gritos se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? Meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo. E me lembrei que a gente sempre ouvia nos sermões do pai que os olhos são a candeia do corpo. E, se eles er

O Visionário Murilo Mendes

Retrato de Murilo Mendes (1951) de Flávio de Carvalho Hoje completaram-se 38 anos de seu falecimento Murilo Mendes, uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e, por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Wolfgang Amadeus Mozart e ouvia suas músicas de joelhos, na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões. Certa vez, telegrafou para Adolph Hitler protestando em nome de Mozart contra o bombardeio em Salzburgo. Sua fixação contemplativa por janelas foi assunto do cronista Rubem Braga. Em 1910, presenciou a passagem do cometa Halley. Sete anos depois, fugiu do internato para assistir ao brilho de outro cometa: Nijinski, o bailarino. Em ambos os casos sentiu-se tocado pela poesia. “Na