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Contrapor o padrão de pensar



A barbárie diz respeito ao fato de, na sociedade contemporânea, se conjugar um alto desenvolvimento tecnológico com os sentimentos humanos de ódio primitivo, de raiva e de um instinto destrutivo que culmina na manifestação da violência física contra as pessoas. O campo de concentração de Auschwitz, uma prova contundente do século 20. As condições geradoras da barbárie são: a pressão social, a pressão ou repressão civilizatória, o processo de esclarecimento e suas implicações tecnológicas que geram a dominação do homem e da natureza, a dominação da indústria cultural e seus desdobramentos, na sociedade administrada, podem ser considerados como algumas dessas condições. No atual modelo de sociedade, no qual estão inscritas as características citadas acima, o homem e a natureza foram reduzidos à condição de coisas, de meros objetos cujo valor está condicionado à sua utilidade e produtividade. As próprias pessoas se vêem como um material, enquanto se enquadram no todo social para garantir sua sobrevivência. No afã de produzir e de se encaixar no modelo do existente, os homens agem sem pensar nas consequências de seus atos.
Todas essas condições podem ser consideradas como mecanismos que levam as pessoas a cometer a barbárie, portanto, tomadas como sua raiz. Ou seja, ao contrário de Hannah Arendt, para Theodor Adorno, o mal, concebido aqui como barbárie, possui raízes que podem ser identificadas nos processos sociais, na cultura e naquilo que está arraigado na própria natureza humana, embora isso não signifique uma solução definitiva no seu combate. Se, por um lado, Adorno indica os mecanismos que podem gerar a barbárie, por outro lado, tem consciência de que combater esses mecanismos resulta em uma tarefa quase impossível, pelo menos por intermédio da promessa do iluminismo ou por promessas ideológicas e científicas.
Todavia, em se tratando do mal banal e da barbárie a partir dos autores Adorno e Arendt, encontramos uma evidente divergência com respeito aos seus fundamentos (raízes ou causas), em contrapartida, há algo comum no que se refere ao perfil social e psicológico de seus agentes. Adorno sugere que as pessoas com aptidão a cometer atos bárbaros possuem uma tendência exacerbada à organização, a manipular os outros, são pessoas desprovidas da capacidade de fazer experiências humanas profundas e de emoções, e que primam pela eficiência de suas ações, pela meticulosidade em seguir o que é previamente estabelecido e pela necessidade de se enquadrar no perfil do homem ativo (Adorno, 1995, p.129) dominado por uma racionalidade técnico-científica dominante no mundo esclarecido, a qual, resulta numa espécie de obliteração do pensamento autônomo.
E aquilo que se insere na instância do acaso, para esse tipo de pessoas, não tem validade, pois não possui um fim prático de acordo com a lógica do utilitarismo. Conforme esse pensamento, o correto é agir dentro do que está previamente estabelecido pelo sistema ou no cumprimento de ordens exteriores, até mesmo para se proteger dos riscos de cometer erros. Isento de falha dentro de uma calculabilidade, na qual aquilo que vai acontecer está previamente previsto. E a matemática já supõe frieza no agir. Para quem se comporta dessa maneira, as consequências de seus atos em relação ao mundo e às outras pessoas não têm alguma importância. Isso denota uma incapacidade de pensar. Seria o perfil do burocrata que só se preocupa em cumprir o que está estipulado, sem pensar nas implicações dessas ordens para o mundo, para as pessoas e até mesmo para si próprio. Adolf Eichmann, o protótipo deste sistema, que encarna em tudo o tipo que está sempre preocupado em ser um funcionário obediente, cumpridor das ordens “legais” superiores do nazismo de Hitler.
 

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