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Educação, uma ação de resistência



Ao que parece, a julgar pelos acontecimentos bárbaros que acometeram o século XX, as pessoas estão mais aptas a uma adesão cega ao existente, à capacidade de se identificar inteiramente com as características do mundo de Auschwitz, como caráter autoritário, enfim, com os Eichmann e com os Himmler, modelos do sistema político totalitário, do que em assumir uma postura reflexiva diante dessa realidade. A irreflexão parece ser uma das principais características de nosso tempo.
Pelo exposto, acreditamos na possibilidade de pensar a educação como um caminho possível para a constituição de uma “consciência verdadeira”, a partir da autorreflexão, mesmo tendo em vista os fatores limitantes os quais já foram abordados anteriormente, o que significa uma exigência dos sujeitos educacionais, no sentido de pensar o tema da educação e a si próprios de outro modo, como uma abertura aos acontecimentos e ao sentido desses para o mundo e para si. Pensar uma educação voltada para a não aceitação tácita do existente, numa atitude de oposição, de resistência, de não apaziguamento. E pensar a si próprio, enquanto sujeitos educacionais, por uma disposição e coragem para o compromisso com o que é diferente, contingente, destoante quanto à hegemonia dominadora da sociedade contemporânea. E nesse sentido, preocupar-se com a questão da faculdade de pensar e julgar e da responsabilidade em relação ao mundo, enquanto isso interfere na relação com esse mundo em que vivemos, é uma questão ética da qual a educação deve se ocupar.
Para finalizar, propõe-se ainda elucidar um ponto que julgamos ser de crucial importância para uma reflexão na educação. Trata-se da educação como não desistência do mundo. Essa atitude aparece como um cuidado com o mundo, ainda que estabelecida em um não mundo ou imerso num universo corroído pela barbárie, a educação não pode abrir mão do compromisso de “salvar o mundo” ou de combater a barbárie. Existe, sim, uma possibilidade de uma educação como cuidado. O amor, nos termos em que é propagado, é deficiente nas relações interpessoais: as pessoas são, por um lado, incapazes de amar e, por outro, não são recíprocas ao amor. O sentimento de amor não pode ser exigido em relações profissionalmente intermediadas, como entre professor e aluno, médico e paciente, advogado e cliente. Sua preocupação com uma educação voltada para a infância, em fazer com que as crianças sejam “protegidas” da crueldade do mundo ou de precaver o mundo contra a barbárie, no entanto, denota uma atitude de cuidado, no sentido de contestar a cultura da barbárie.
É de extrema importância um pensamento talhado em momentos históricos marcados por profundas crises políticas geradoras de intensos conflitos econômicos, étnicos e sociais. Esses acontecimentos causam em proporções gigantescas, a “barbárie” e a “banalidade do mal” e, consequentemente, levam a sociedade contemporânea a um colapso moral. O fenômeno se deve ao fato de tais acontecimentos desencadearem a mitigação do senso crítico, provocando uma espécie de bloqueio do ato de pensar e de julgar. Os protagonistas de Auschwitz simplesmente nunca perceberam o que estavam fazendo, porque não pensavam no seu sentido e não julgaram o alcance de suas consequências. Eram sujeitos nos quais reina a irreflexão. Uma educação orientada para a autorreflexão crítica, para o pensar, o julgar e para a responsabilidade para com o mundo é o mesmo que uma educação para combater a barbárie e a banalidade do mal.

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