(Nona e última parte)
Como
Diana e Jaques, Clara torna-se uma vítima das metáforas patológicas de Lúcio
Cardoso, pois desenvolve um tumor terminal repleto de ramificações. O câncer de
Clara funciona como uma metáfora perfeita para a realidade tediosa e desesperadora
que consome os personagens do romance, sempre predestinados a vidas perdidas
que culminam na morte ou no fracasso. Para Sílvio, a única possibilidade de
continuidade mostra-se na extração completa do mal enraizado. Para isso, ele se
separa de Diana, deixando-a livre para seguir seus próprios caminhos e para que,
assim como ela, ele possa trilhar os seus. É neste momento que o “parricídio”
aparece como propiciador para a criação do escritor e, consequentemente, da
autoridade do indivíduo, pois só a partir do momento em que Sílvio deixa a
cidade de Vila Velha, local onde ocorre o romance, que ele poderá se tornar
escritor. Ele enxerga na escrita como uma maneira de se firmar como sujeito, mas
só possível quando o personagem enterra todas as figuras paternas e as torna
apenas imagens idealizadas e reconstruídas através da memória.
Sendo
assim, torna-se imprescindível a compreensão da morte do pai como nascimento do
autor, pai de suas obras. Mesmo ausente, o pai se posiciona regulador,
interditor e essa interdição que introduz o sujeito na cultura, uma vez que é a
dominação dos instintos, especialmente os sexuais, que constitui a cultura (cf.
FREUD, 1999). Em Totem e tabu, Freud
subdivide a função paterna em três: o pai primevo – o mito fundador da cultura
–, o pai rival e o pai da castração. Dessa forma, o indivíduo só consegue se
formar quando se desvincula dessas três figuras, ou seja, quando mata o pai.
Tanto para Lúcio Cardoso quanto para Sílvio, a forma de quebrar esses vínculos
é a escrita.
Apesar
da forte presença, poucas são as dissertações e teses que tratam da questão da paternidade
nos romances cardosianos, mas a relação que Lúcio Cardoso estabelece com seu pai,
um fator determinante em suas obras e, portanto, em sua constituição como
escritor. A linguagem dá ao indivíduo o poder de intervenção e de
reestruturação, ou seja, ela permite que o indivíduo se torne autor, que ele
seja um elemento de autoridade, de pai de sua escrita e um elemento de origem e
recriação de sua própria história, uma vez que a literatura, mesmo que ficcional,
está intrinsecamente relacionada à vida do escritor, um elemento de origem e
recriação de sua própria história.
O
uso da metáfora do parricídio como principal responsável para a criação do
escritor na obra Dias perdidos: uma
maneira de autoafirmação do sujeito, mas só possível quando o personagem enterra
todas as figuras paternas e as torna apenas imagens idealizadas e reconstruídas
através da memória. Portanto, reafirmamos, torna-se de suma importância a
compreensão da morte do pai como nascimento do autor, pai de suas obras, o que,
no caso de Lúcio Cardoso, é perceptível, pois sua escrita recria a si e ao pai,
cometendo, nas várias transfigurações paternas, seu assassinato.
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