(Sexta Parte)
A
utopia revolucionária de Nando e essa nova religiosidade bebem muito na fonte
da civilização indígena, mas também nas heresias do matriarcado. É o signo da
Virgem Maria, cultuada no passado pelos portugueses, relembrada por Antonio
Vieira no Sermão da Nossa Senhora do Ó
e reinventada em Francisca ou Lucinda (as mulheres-terra-mulheres-flor), que
permite sustentar a possibilidade de plantar sementes de um mundo novo onde “Francisca é o centro de Francisca”.
Essa
“identificação da mulher com a terra, do
sexo com o centro do país (veja-se a cena de amor de Nando e Francisca entre as
orquídeas) e do centro do país com o centro da vida – o sentido da existência –
define a necessidade de integração global”, que Ferreira Gullar localiza em
Quarup e que permanece no horizonte
dos romances posteriores, apesar de todo o empobrecimento da dimensão utópica
que se observa neles. Callado é um tanto profético, também nesse sentido,
porque meio reichiano e marcusiano, antes de Wilheim Reich e Herbert Marcuse
terem virado moda no Brasil.
Superação
do realismo
É
liberando suas energias sexuais que o padre Nando pode engajar-se numa ação
social transformadora; é na violenta contenção das forças revolucionárias que
tem raízes a esterilidade de Gil – escritor (do romance Bar Don Juan), como é isso também o que mina a vida interior de
cada um de seus companheiros, tornando frágil e quase impossível até mesmo o
amor.
De
fato, nos romances de 1970, rompem-se as certezas revolucionárias e a unidade
possível entre amor e revolução, entre literatura e política. Ficam de um lado
os revolucionários, buscando juntar pedaços de uma guerrilha esfacelada, de
outro, homens querendo viver sua vida, amar ou escrever seus livros. Mas a
opção não é tranquila. Há dúvidas e angústias desorganizando os livros,
rompendo os elos, destruindo as pessoas.
O
drama de Gil, escritor de Bar Don Juan
que desiste de fazer o romance das revoluções falhadas (Quarup), distribuindo aos amigos as anotações que fizera para isso
(sobre 1922, 24, 30, 35...), é o drama de Callado e dos escritores de 1970,
quando o tempo não está para utopias e mal se pode constatar a realidade como
ela é, quanto mais imaginar como deveria ser (façanha que, na opinião de
Ferreira Gullar, Quarup realizava).
Expressar
essa realidade, tornada opaca, requer agora a superação dos caminhos realistas,
já insuficientes. A desconfiança e a desesperança impõe o mosaico composto de
fragmentos dos discursos quase ininteligíveis, como no penúltimo livro de
Callado, onde o escritor se mantém de fora, negando-se a socorrer o leitor
interrogante; ou impõem a visão de dentro, repartida entre os diversos
personagens, opção de Sempreviva,
onde há um esforço em desvelar-nos, mesmo que por retalhos da memória, as suas
vidas interiores. Em ambos os romances, o trabalho artesanal, a atenção para o
detalhe, a técnica das alusões tentam tornar sensível, pela linguagem mesma, o
impenetrável da tragédia que vivemos.
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