Pintura de Nadir Afonso
Para Franz
Kafka e Clarice Lispector
A ponte do
Brooklyn tem 535 metros de comprimento, estende-se sobre o Rio Leste ligando os
distritos novaiorquinos de Manhattan e do Brooklyn. O homem quer afastar-se do
burburinho para refletir sobre si mesmo e sua arte. Para decidir que espécie de
vida levará. Boca e garganta secas de desejo sufocado e calado. Mas, a noite da
sua ponte tem o silêncio. Como estar ao alcance desse profundo meditar sem
recordar imagens e palavras. Aquele silêncio particular seria a ponte
clandestina do mundo. Quanto à Williamsburg, ela lhe propicia ficar a sós, em
busca tanto de concentração como de meditação, bem como por questão de
isolamento – não por sua própria causa, mas em atenção a outras pessoas, que,
como bem sabe, são perturbadas pelos sons altos e ruídos diversos.
Quando a madrugada
clareia a ponte, os vultos saem das sombras de sobressalto. Uma sensação da manhã
insinuando entre o sumidouro e abre os olhos. A dura reta exata de um homem sob
as vias e dos objetos postos sempre um em cima do outro. Vê um estreitamento de
duas retas, tanto que finda numa embriaguês suave e tonta... O céu diluído à
terra. E que dizer do escoadouro de ecos e gritos, do passado, debaixo da ponte
dos pensamentos poentes? Manchas escuras, como se fossem de fumaça entranhada.
De quando em quando, lança os olhos de azeviche, arregalados, frente a frente, aos
quatro pilares, sem tocar as raias da escuridão.
Apesar do seu
corpo rígido, úmido e frio, usa a voz para chamar as pessoas do outro lado da
ponte. Mesmo estando estendido sobre um abismo. As pontas dos pés cravados de
um lado. Do outro, as mãos na tentativa desesperada de apoio escorregam nos
pedriscos limpos. Fica fitando a sua sombra se avolumando no precipício.
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