Um dos maiores dilemas da condição humana: o que deve
prevalecer? O culto à beleza física, que se mostra passageira e
tangível? Ou a valorização da sabedoria advinda do culto das
ideias?
CABEÇAS TROCADAS
Thomas Mann
Coleção
Thomas Mann
Novela
112
páginas
2ª
edição
Largura:
14 cm
Altura:
21 cm
Encadernação:
Brochura
Editora
Nova Fronteira
Ano:
2000
Thomas
Mann hindu? É o que o leitor encontrará quando folhear as páginas da novela
“Cabeças Trocadas”, do escritor alemão, editada pela Nova Fronteira. Mann
escreveu de 1933 a 1935, a tetralogia “José e seus Irmãos”, que passa no Egito,
e não encontrou dificuldades para narrar uma história que se desenvolve na
Índia, baseada nos cultos religiosos do país. A Índia, analisada por Mann,
reflete a face da mitologia.
A obra é saudada por Nigel Hamilton,
o autor de “Os Irmãos Mann – As Vidas de Heinrich e Thomas Mann 1871-1950 e
1875-1955”, um volume de 549 páginas, editado pela Paz e Terra. Hamilton
considera “Cabeças Trocadas” uma das melhores novelas curtas de Mann. É
possível que seja um exagero. Se forem consideradas que novelas como “Morte em
Veneza”, publicada em 1913 e “Mário e o Mágico”, em 1930 são obras curtas, é
claro que “As Cabeças Trocadas”: uma lenda Hindu, o título original em alemão,
não pode ombrear-se com as duas obras-primas escritas por Mann.
Ele próprio reconhecia isto. Numa
carta de 5 de janeiro de 1940, escrita para Agnes Meyer, Mann parece não estar
muito convencido do valor literário de sua novela. Estou agora escrevendo uma
coisa indiana. Uma grotesca história que pertence ao culto da “Grande Mãe”, em
cuja honra as pessoas se autodecapitam – um jogo sobre a desunificação e
identidade, não muito sério, no máximo uma curiosidade, e não sei ainda se a
completarei”, escreveu quando se apoiava para suas pesquisas num livro de
Heinrich Zimmer sobre a mitologia. Acabou terminando a novela sete meses
depois.
A data da publicação é importante.
Mann já era politicamente antifascista e estava refugiado. Seus livros na
Alemanha nazista estavam no índex e tinham servido para as fogueiras, que incineraram
obras contrárias ao regime. A primeira edição saiu em Estocolmo, na Suécia e,
um ano depois, foi traduzida para o inglês. Pelo que declarou Hamilton, o livro
não foi bem aceito em uma resenha publicada no “The Times Literaty Supplement”, que considerou a novela complexa
demais. Um crítico hindu, ao contrário, achou que Mann conseguira penetrar na
complexidade do mito e da lenda, embora reprovasse a “Índia improvisada” que o
escritor descreve. Para Mann, a novela foi apenas vista como um “divertissement” e um “intermezzo”.
Pelotões
dos melancólicos
É curioso que a História de Mann se
desenrole numa índia longínqua, enquanto o escritor estava, na época,
completamente envolvido em questões políticas e fazia programas radiofônicos
nos Estados Unidos contra o regime nazista. Em outra carta para Agnes Meyer, o
escritor contesta o fato de que preocupações
políticas tinham prejudicado a sua prosa. “Tenho me comportado mal durante
esses anos e permitido que o ódio me degradasse e me paralisasse? Escrevi “José
no Egito”, “Carlota em Weimar” e as “Cabeças Trocadas”, obras libertas e
alegres, e também, porque não dizer, de uma certa importância. Sinto-me
orgulhoso de que tenha produzido isto tudo, em vez de aderir aos pelotões dos
melancólicos, e penso que meus amigos deveriam considerar o fato de que
prossigo na luta como sinal de força, não de fraqueza e humilhação”.
“Cabeças Trocadas” parece, de fato,
o descanso de um escritor que sete anos depois produziria “Doutor Fausto”. Há
um tom de delicioso artifício na lenda em que dois amigos, Shridaman, um comerciante de tecidos com devaneios metafísicos e Nanda, ferreiro e pastor de gado, são
ambos apaixonados por Sita.
Shridaman
casa-se com ela, mas levado por suas angústias metafísicas corta a cabeça num
ritual dedicado à “Grande Mãe” – uma deusa brâmane. Nanda segue o amigo também decapitando-se. Por sua vez, Sita vendo os dois corpos mortos,
procura se suicidar numa árvore que, no fundo, é a deusa que reprova seu ato.
Em compensação, faz renascer os dois amigos, só que as suas cabeças são
trocadas, de modo que, Sita passa a viver, de novo, como Shridaman, mas este possui a cabeça de Nanda.
Neste livro, o escritor alemão porfia
com habilidade um dos maiores dilemas da condição humana: o que deve prevalecer?
O culto à beleza física, que se mostra passageira e tangível? Ou a valorização
da sabedoria advinda do culto das ideias? A mulher como núcleo da trama, se
divide entre a sensualidade e a racionalidade. Um livro que merece ser lido,
principalmente por aqueles que debatem sempre acerca das preferências humanas e
os elementos que as motivam.
De fato, o enredo é complicado para
o leitor ocidental, mas vale pelo jogo artificial e demonstra as qualidades de
Mann para captar com humor um mundo tão distante dele. Katia Mann – mulher do
escritor – explicou num livro de memórias como era o método de Thomas Mann
escrever. Em cada livro ele vivia integralmente o seu tema e depois o esquecia.
Assim, foi o musicólogo quando compunha o “Doutor Fausto” e orientalista na
época de “José” ou médico quando escreveu “A Montanha Mágica”. E, com efeito,
ficou deslumbrado pela beleza do adolescente polaco, que se transformaria no
personagem Tadzio no livro “Morte em
Veneza”. Mas não ficou seguindo o rapaz por toda Veneza. A sua “pesquisa”
consistiu em, apenas, observar o adolescente mover-se na praia com toda sua
beleza.
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