(Sétima Parte)
Os
impasses do escritor na busca do sentido em meio ao fragmento, da qualidade
estética do romance político, da legibilidade na realidade ilegível,
transparecem talvez ainda mais em Sempreviva,
que propõe uma visão quase freudiana da História, convidando-nos a descer aos
porões de cada um para localizar as raízes do sadismo, no indivíduo, e do
fascismo, na sociedade: os avessos dos tios Lulus, dos Shibatas/Knuts e dos
Fleurys/Claudemiros.
Que
nessas tentativas uns acusem o hermetismo ou a linguagem excessivamente
elaborada (críticas correntes a Reflexos do Baile e a Sempreviva,
respectivamente) é natural. Afinal, a busca se dá em terreno adverso e em tempo
desesperado e desesperançado.
À
margem da nação
O
que fica de bastante significativo para a nossa reflexão é a ironia que,
machadianamente, vai minando a imagem do Brasil gigante, de florestas
exuberantes, flores perfumadas e belas Iracemas, para deixar aparecer o que ela
mascarava: a situação da maior parte dos brasileiros, vivendo à margem da
História, na pobreza e na ignorância. E, curiosamente, essa presença aparece
pela ausência mesma do povo que vai sumindo da cena, como a marcar a distância
secular que os separa das elites. Se em Quarup
ele ainda tinha um lugar no centro dos acontecimentos narrados, é da margem que
ele tudo observa, nos romances posteriores, tentando às vezes, quando muito, recontar
o que passou, para entender à sua moda (seja através das figurinhas de barro
com a história de Beto, em Reflexos do
Baile, seja através de histórias de caçador vítima da caça, em Sempreviva).
Assim,
se Antônio Callado pode ser representativo do projeto nacional e popular, definido
e redefinido continuamente pelos artistas e intelectuais brasileiros, sobretudo
a partir de 1960 (do qual frequentemente Callado, principalmente em Quarup, é apontado como exemplo) traz
desde o início, implicitamente, nas redes de suas histórias, feitas de morte e
ressurreição, cada vez mais de morte e menos de ressurreição, a suspeita de que
o nacional popular é para nós, pelo menos até agora, muito mais uma aspiração
do que uma possibilidade.
Pelo
viés da ficção, portanto, o escritor retoma o problema da nação, recolocado
pelo ex-governador de Pernambuco (no prefácio do livro Tempo de Arraes), a partir dos versos de Drummond: “O Brasil não existe. E acaso existirão os
brasileiros?”
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