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Contador de Histórias

 
 
 
 
 
 
Montezuma Cruz
Editor de Amazônias
 
 
 
         A descoberta do talento de Geraldo Machado é assim, do jeito que a jornalista Mariana Cegatto descreve no Jornal da Cidade, em Bauru. O autor de “Celeiro da memória” autografa agora o “segundo e último” livro: “Na garupa da memória”, igualmente constituído por saborosas crônicas, mostram um pedaço do interior paulista.
         O bom humor sempre presente nos seus bilhetes, cartas e nas conversas pessoais está entre as virtudes que vejo no amigo Geraldo Negrão Machado, que se revelou octogenário para a literatura. Faz trocadilhos com fatos históricos e frases, brinca com as pessoas, e ironiza a si próprio desde quando se tornou ”sitiante e prosador” de Chavantes e arredores.
 
         Lê-lo faz bem não apenas para a mente e o coração de quem viveu nessa ex-região cafeeira paulista, mas para todos que veem no interior um paraíso ou o oráculo ideal, longe das turbulências excessivamente urbanas.

         Geraldo Machado, que estudou em Jaú, Botucatu e São Paulo, iniciou a faculdade da Agronomia em Piracicaba, foi agente de estatística do IBGE em Santa Cruz do Rio Pardo até 1945 e dali retornou ao sitio do pai para trabalhar como sitiante. Brincava com ele: “Sitiante que pensa, que prosa, né? Precisamos identificá-lo no final dos seus artigos, a exemplo do que fazem O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e outros jornais.” Foi quando ele aceitou a grife que deve tê-lo honrado até hoje.

         No final do século passado manifestei aos jornalistas Aurélio Alonso, Luiz Carlos Eloy e Sérgio Fleury Moraes, também a então secretária de cultura em Ourinhos, Neusa Fleury Moraes, e ao ativista cultural Luiz Carlos Seixas a minha surpresa por encontrar importantes livros na biblioteca pessoal de seu Geraldo, entre os quais o raríssimo “O Tupi na Geographia Nacional” (1901), de Theodoro Sampaio, com farta descrição de nomes próprios e origem de lugares. Eternamente valoroso para a interpretação da história, da arqueologia e da geografia.

         Pudera, esse autodidata nascido no Sítio Guarantã em 16 de dezembro de 1919, apaixonado pela história indígena, elegeu esse exemplar do escritor baiano como uma de suas fontes permanentes de consulta (leia referência no trecho de uma carta a mim endereçada por ele em 2000). 
 


 
 
Geraldo Machado, 92 anos, na noite de lançamento




 

Parou de Escrever,
mas não de Contar Histórias

 



         Mariana Cegatto escreveu no Jornal da Cidade em 11 de janeiro de 2012: Antes dos textos virarem crônicas, eles eram contados oralmente por onde seu Geraldo passava. Mas foi Maria Helena Cadamuro, funcionária do Museu Histórico de Chavantes, uma das ouvintes mais atentas e fiéis, que fazia questão de escutar com entusiasmo suas histórias.
         “O senhor Geraldo sempre morou no sítio, mas era uma pessoa muito estudada. Como sempre foi muito culto, passava por museus, bibliotecas, sempre contando suas histórias de vida relacionadas com o passado”, recorda Maria Helena. “Eram observações riquíssimas do cotidiano. Quando ele contava estas histórias, eu pensava comigo: ‘Meu Deus, esta é a memória da cidade’. Eu queria gravar, mas ele não deixava”, conta.
         No início de 1998, o então “contador de histórias” chegou com um texto datilografado, “A Verdadeira Vera”, e entregou à Maria Helena. “E me permitiu enviar o texto aos repórteres Montezuma Cruz e Aurélio Alonso, que o publicaram no Jornal da Divisa. Montezuma passou a chamá-lo de ‘sitiante e prosador”, salientou Maria Helena.
         Após a primeira publicação de uma de suas crônicas, Maria Helena conta que Geraldo não parou mais de escrever. “Ele se sentiu motivado e, ao invés de somente contar suas histórias, passou a escrever. Continuei a enviar seus textos ao jornal depois de passá-los a limpo como ele pedia, pois os trazia datilografados na sua velha Olivetti”, lembra a funcionária.
Seu Geraldo parou de escrever, mas não de contar suas histórias e colecionar admiradores por onde passa. “Ele continua vindo ao Museu e sempre nos traz uma nova história”, brinca Maria Helena.
 
 
 
Uma Carta em 2000
 
 
 
 
Chavantes, 1º de fevereiro de 2000.
 
 
         Mete-me, Pai Eterno, em teu peito, misterioso lar, dormirei ali,  pois venho desfeito do duro brigar. (Miguel de Unamuno)
 
 
Montezuma: senhor excelentíssimo.
 
 
         Ninguém há que entenda mais as minhas aspirações que você.
Qual uma cegonha – enleado numa fralda – me trouxe para o berçário do Jornal da Divisa.  Atitude impensada e temerária. Meu primeiro e gutural vagido pseudo-literário foi a Verdadeira Vera.
         Não sei de nós qual o mais imprudente e atrevido. Eu, de minha parte, nada a perder do que não tinha: talento e experiência. Você, a responsabilidade do jornalista traquejado e criterioso. De lá para cá, 82 artigos mal articulados sairam teclados desta ronceira Olivetti, cúmplice delituosa desse desvario senil.
         Não nos vemos desde o milênio transato. Completei no final melancólico do século 80 anos de peregrinação por este desvão obscuro plantado à margem do Paranapanema que, na língua nheengatu, quer dizer: rio imprestável, azarento. Ingratidão etimológica! Não sei contar as piracanjubas e os dourados que meu avô Possidônio tirou de suas águas crespas e cristalinas. Hoje, ainda é um dos poucos rios despoluídos da nossa potamografia  (...).
 
 
SERVIÇO

Degustem “Na garupa da memória”, solicitando valor do exemplar e fornecendo seu endereço ao Museu Histórico de Chavantes, na Rua Coronel Julio Silva nº 178 Centro – CEP: 18970-000 - Chavantes - São Paulo
Telefone (***14) 3342-9200.
E-mail: museu.chavantes@cednet.com.br
 
 

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