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A Experiência em Ciclo e Transformação





Criança geopolítica assistindo ao nascimento
do novo homem (1943) de Salvador Dali











Procurar compreender as leis profundas que manipulam o real,
através da natureza do mundo. Esta, é eternamente
 incompleta e, portanto, puro movimento e transformação.”

I Ching







Sempre sob inegável suspeita dos conservadores, hipócritas e provincianos, por seu ângulo de visão muito objetivo e seu caráter pouco alegórico, o existencialismo se manteve, contudo, nas últimas décadas, como uma das forças mais influentes do pensamento contemporâneo. Há muitas razões para isso, desde a vigência espetacular que conheceu no pós-guerra até sua tendência presente à revitalização, em face da evidência do fracasso de formas do pensamento mais intelectualistas. A filosofia contemporânea chegou a uma complexidade verbal delirante e, na melhor das hipóteses, insensata, cuja principal operação é a substituição sistemática do concreto pelo abstrato, do prático pelo teórico e da experiência direta pela elucubração mental.
A juventude enquanto corpo de doutrina, não está imune aos vícios filosóficos típicos de nossa cultura, no estágio atual de seu desenvolvimento, mas representa uma tomada de consciência, embora parcial, desses vícios e uma sincera, saudável e por vezes apaixonada tentativa de negá-los. Do ponto de vista existencialista autêntico, o que importa é sempre a experiência direta, prática, concreta, embora ela se apresente, muitas vezes, reinterpretada pelo prisma distorcente do intelecto. Essa fidelidade à vida efetiva, isto é, à perplexidade original com que despertamos ao mundo, é a fonte da energia secreta do pensamento existencialista/dionisista. O jovem parece, pelo menos, examinar a si próprio, um ser vivo, e não abstratas ou totalizações conceituais arbitrárias e vazias.
A declaração de Jean Paul Sartre – “a essência do ser humano é a sua simples existência”, isto é, a liberdade nos arremessa num buraco negro permanece atual no pensamento ocidental. Ela implica uma crítica radical a todos os tipos de codificações de valores, em leis, normas ou hábitos, em que indulgimos insistentemente na busca vã de uma segurança que não passa, na verdade, de mera imaginação doentia. A aparente necessidade de se utilizar a prática política para que possa estabelecer-se um sistema razoável de convivência, não foi capaz de obscurecê-la.
“A existência humana é, em si, radicalmente livre, embora cerceada socialmente por mecanismos de condicionamento que se multiplicam sem cessar. O ser humano, portanto, é, em si, radicalmente livre, embora introjete esses condicionamentos de maneira mórbida e obsessiva. Estamos certamente submetidos a circunstâncias, condicionadas e condicionadoras que, nos marcam nossos limites como seres contingentes num mundo contingente” – escreve Luís Carlos Maciel.
Hoje, mais do que nunca, a questão da liberdade é a chave das sete portas. Ela está no coração da juventude, o que evidencia a necessidade de mais espaços. Este, em todos os sentidos, Dionisos, o deus do prazer, é apenas a base de nossa liberdade: é o material, o solo, sobre o qual exercerão nossos atos livres. Essa devoção precisa ser provada em alguma tribuna livre contra o espírito determinista (o que caracteriza a nossa época). O próprio, é teimosamente hostil ao fluxo natural da criação, as manifestações artísticas, antes de mais nada, uma experiência viva e com uma certeza interna. Contudo, os espíritos nefastos temem o reconhecimento do caráter sagrado de nossa juventude; fosse por em perigo a ordem social, a moral familiar ou coisa parecida, quando, na verdade, só iria revelar-lhes a nudez dos espíritos existencialista e dionisista.
Cabe, aqui, contra toda a mornidão provinciana do ambiente, um papel exato e oportuno no qual o nosso esforço permanente será o de obter o diálogo adequado entre a compreensão do passado e a promoção do futuro, entre a compreensão já amadurecida e a contribuição que apenas vai emergindo. Que não se tome tudo isso como uma receita milagrosa (e nossa), mas como uma benfazeja hipótese de trabalho. Há mais a fazer, entre nós do que simples e automaticamente elogiar ou investir em determinado segmento. Há que lutar por muitas outras coisas: por um máximo de informação e divulgação disciplinada em torno de nosso passado e presente amealhando e documentando pouco a pouco a memória de Presidente Prudente para redistribuí-la e revivificá-la; bem como das entidades representativas; pelo intercâmbio nacional e internacional o mais amplo possível, aproximando o que não pode permanecer afastado, a necessidade de fazer novas hegemonias, um lugar onde eles tenham como registrar o seu entusiasmo de intenções e de críticas. E, sobre tudo isso, há que lutar pela divulgação ou popularização do exercício criador, como uma região em que a liberdade de sonhos, de transfigurar, de gritar e de documentar – de dizer enfim – deve permanecer intacta, a salvo de qualquer ameaça ou pressão. Uma vez, comentei num texto: “tarefas difíceis, sem dúvida – mas indescartáveis tarefas de guerreiro.”




( Este ensaio foi publicado no jornal “Espaço Cultural Aberto”,
órgão informativo da FURJ - Fundação Educacional
da Região de Joinville - Santa Catarina, páginas 2 e 3, em outubro de 1989. )




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