Última foto de Artaud em março de 1948
“A
tragédia no palco não me basta mais,
vou transportá-la para a minha vida”.
Antonin
Artaud
Antonin Artaud é um dos gênios na área
teatral que transportou a tragédia dos palcos para sua existência, numa forma
singular e corajosa. Na infância, o talento deste inovador aparece em seus
primeiros poemas com o pseudônimo de Louis des Attides, quando edita uma
revista literária na escola onde estuda. É acometido de uma crise depressiva,
que num impulso destrói alguns textos e passa, pela primeira vez, num sanatório
em Marselha. Os anos seguintes são de internações sucessivas em sanatórios da
França e da Suíça. Em 1921 estreia no teatro, num papel mudo ( “Les Scrupules de Sganarelle” ) e
transcorre até o ano de 1934, participando de, aproximadamente, 18 montagens.
Chega em edição comercial seu primeiro livro: “Trictrac du Ciel ” (1923), aderindo ao movimento surrealista e
aparecendo nas telas como ator. Dois anos após, rompe com os surrealistas e
funda o teatro Alfred Jarry com Roger Vitrac e Robert Aron vindo, um ano depois,
as primeiras produções do teatro: atuação em filmes e a tarefa de escrever o
roteiro para o filme “La Coquille et Le
Clergyman”, com uma estreia escandalosa.
A partir da publicação do “Manifesto do
Teatro da Crueldade” (1932), retorna a uma clínica para tratamento de
desintoxicação. Fez tournées no México, Cuba e retorna à França em novembro de
36, para vários tratamentos de desintoxicação e dois livros no mercado: “Les Nouvelles Revélations de L´Étre” e “Voyages au Pays dês Tarahumaras.”
Passeia na Irlanda, mas, com volta rápida à França, sendo internado por
autoridades sob acusação de ataque a tripulantes. Artaud alega que se defendeu
pela invasão noturna em seu camarote. No lançamento de sua obra “O Teatro e Seu
Duplo” (tem uma nova edição pela LP&M Editores), Artaud não chega a
participar de sua produção por estar internado num hospício em Paris,
permanecendo até 1946. Da experiência vivida no asilo de Rodez escreve
“Cadernos de Rodez”, ao mesmo tempo organiza-se um leilão de obras plásticas em
seu benefício e faz uma gravação em fita de rolo, que se intitula “Para Acabar
com o Juízo de Deus” num estúdio. A gravação é vetada pelo dono da rádio. Em
48, a transmissão de “Para Acabar...” estava marcada para 16 de janeiro, mas é
censurada na véspera por ordem da direção. Formada a polêmica, a rádio consulta
um comitê de artistas que ouve a gravação em 5 do mês seguinte. O comitê decide
pela liberação, mas o diretor da rádio mantém a resolução inicial.
Em 4 de março de 1948, Artaud é
encontrado morto em seu quarto do hospício de Ivry, um bairro de Paris. Estava
portando câncer inoperável e recebeu permissão dos médicos para consumir
laudano e cloral (como o ópio e a morfina) porque sentia dores terríveis. Nesta
condição e consciente de seu fim iminente, Artaud anota numa ficha médica um
testamento sobre seus direitos autorais e de que não queria uma morte banal.
A obra de Artaud, como é profundamente
ligada ao inconsciente, merecia um ensaio crítico extenso, passando pelas áreas
do xamanismo, antropologia, sociologia e psicologia, para que não haja falhas,
pontos vagos, tornando o trabalho divergente e medíocre.
Profeticamente, leu e experimentou, na
década de 20, tudo aquilo que faria a cabeça da contracultura ocidental na
década de 60, como o Livro Tibetano dos Mortos, obras sobre misticismo, psiquiatria,
antropologia, tarô, astrologia, yoga e acupuntura. Frequentou os bares de Paris
durante a grande festa da geração perdida nos anos 20 e 30, mas não badalava,
costumava sentar-se no balcão só.
Sentia-se feliz em seu mundo de alucinações.
Como escritor, ator, dramaturgo, poeta
marginal e visionário, nos anos 30, concebeu um teatro onde não haveria nenhuma
distância entre ator e plateia, todos seriam atores e fariam parte do processo,
ao mesmo tempo. Queria devolver ao teatro a mágica e o poder do contágio.
Desejava que as pessoas despertassem para o fervor, para o êxtase. Sem diálogo,
sem análise. O contágio estabelecido pelo estado de êxtase. Uma vez abolido o
palco, o ritual ocuparia o centro da plateia. Esse era o Teatro da Crueldade de
Artaud, que tem um pouco a ver com uma concepção romântica da Web dos primeiros
dias, da eliminação das distâncias e da democratização da informação. Naquele
tempo, os artistas eram os visionários e intelectuais da época. Hoje, eles
foram substituídos por cientistas, biólogos, historiadores - o que me parece
até razoável num tempo em que software, biogenética, inteligência artificial,
ciência cognitiva, etc., passam a ocupar um espaço tão grande.
Depois da morte, passou a ser
festejado como o homem que fez explodir os limites da vanguarda ocidental e,
até hoje, ninguém o superou em seus conceitos e em sua loucura. A mesma
violência agressiva que o prejudicou e o afastou de seu tempo produziu o
sucesso póstumo de suas ideias e sua influência no teatro contemporâneo.
Por que será que alguém tão louco e
tão distante de seu tempo, conseguiu influenciar toda a criação artística,
filosófica e intelectual deste século e, ainda hoje, é um dos maiores
referenciais para a atividade criadora? Em razão da complexidade de seu
trabalho e de sua vida não restaram apenas obras de arte, mas uma presença
singular, uma poética social, uma estética do pensamento, uma teologia da
cultura, uma fenomenologia do sofrimento e, principalmente, um grande
desconforto no pensamento contemporâneo.
Pelas dificuldades dos seus textos e
encenação, poucos atores e diretores produziram peças de Antonin Artaud no
Brasil. Entre os seletos profissionais, destaca-se o ator brasileiro Rubens
Corrêa, que interpretou magistralmente Artaud, em 1986, no espetáculo Os Inumeráveis Momentos do Ser, com direção de Ivan de Albuquerque, no porão do
teatro Ipanema no Rio de Janeiro. Essa montagem foi a mais marcante na carreira
do ator mais premiado do Brasil. De 1994 a 2000, o ator John Vaz atuou no
monólogo Artaud no Teatro Museu da
República, no Rio. Numa nova versão do texto, que se chama Artaud – A Realidade é Doida, teve a interpretação de Marcos Fayad.
Escritos Visionários
“Há gritos intelectuais, gritos que
provém da finesse da medula. É a isso que chamo, eu, de Carne. Não separe meu
pensamento de minha vida. Refaço em cada uma das vibrações da minha língua
todos os caminhos de meu pensamento em minha carne.”
( Posição da Carne )
“Ninguém mais sabe o que é viver,
porque viver é afirmar-se em si mesmo, a todo instante, encarniçadamente e esse
é o esforço que o homem de hoje não quer mais fazer.”
“Ali, onde outros propõem obras, não
pretendo nada além de mostrar meu espírito.”
“Foi assim que uma sociedade
degenerada inventou a psiquiatria para defender-se das investigações de algumas
inteligências extraordinariamente lúcidas, cujas faculdades de adivinhação
molestavam-na. Quem é o louco? O que é um alienado autêntico? É um homem que
preferiu ficar louco, no sentido socialmente admitido, ao invés de prevaricar
contra determinada ideia de honra humana.”
“A alma estrangulou os Maus Anjos e
ela veio-me dizer isto aqui, mas os Maus Anjos e todo Anjo é o princípio de
equivalência entre o espírito e a carne, quando não estão misturados. São os
Anjos que fizeram o Mau, os Anjos o Inexistente que quer viver – o que não foi
nem mesmo pensado mas que procura querendo se impor contra os procuradores.”
“A supressão do ser é a supressão do
Masculino-Feminino. Não haverá mais nada disso.”
“O duplo do teatro é a vida, mas o
duplo de mim é essa essência imperceptível que nunca quis saber de teatro nem
de drama e que na vida interna do eu repele o drama com o qual o eu diante de
cada pensamento deve merecer-se e se ganhar a si mesmo batalhando contra as
larvas de seu espírito.”
“O materialismo histórico e dialético
é uma invenção da consciência europeia. Entre o verdadeiro movimento da
história e o marxismo há uma espécie de dialética humana que não concorda com
os fatos. E pensamos que há quatrocentos anos a consciência europeia vive em
meio a um imenso erro de fato.”
( Mensagens
Revolucionárias )
Clique no link abaixo e ouça a voz de Artaud:
http://www.youtube.com/watch?v=qhxbVaIN7KI&feature=youtu.be
Referências Bibliográficas:
WILLER,
Claudio. Seleção, Notas, Tradução e Prefácio. Escritos de Antonin Artaud.
Coleção Rebeldes & Malditos, Volume 5, LP&M Editores, 3ª edição, 168
Páginas, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 1986;
COELHO,
Teixeira. Antonin Artaud: A Posição da Carne. Coleção Encanto Radical, Volume
16, 118 Páginas, 2ª Edição, Editora Brasiliense, São Paulo, 1983;
CLEINMAN,
Betch. Artigo: Antonin
Artaud e seu Duplo, páginas 51 a 57, revista Status, Nº 140, Editora Três, São
Paulo, março de 1986.
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