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Objeto do Vazio Mental










Arte abstrata e decorativa pode agradar
os sentidos, mas não o espírito,
pois não representa nada.









Um objeto estranho na sua aparente clareza e simplicidade formal. Parece circundar um vazio, que, se tocado mais de perto, poderia torná-lo claustrofóbico. Seria uma espécie de volta ao mundo de quatro paredes, sem o poder de mudar seu destino.
Como na pintura metafísica italiana – com a qual faz correspondência – o letárgico está entranhado no cotidiano e convive bem com ele, e, como na pintura, em seu final as sombras parecem ser mais eloquentes que a própria luz. A mesma sensação de caos interior e desorientação ao ser o(a) leitor(a) provocado(a) pela leitura do poema “A Caixa” traz a reflexão: “O tempo aprisionado, esse rio que nos arrasta para o nada.”
A caixa, como figura geométrica, reflete a transparência e a despojada forma. Diante de uma realidade caótica, a arte do objeto turvo de uma época turva, a expressão de uma sociedade festiva, banal e entediada. Vou me basear na destruição do tema – no predomínio do plástico sobre o conceitual.
Como Pablo Picasso nada mais faço do que interpretar a antiga arte ornamental, que criava imagens não representativas. Existe sentido em criticá-la, por não ser reflexiva, instigante ou renovadora. Seu problema: o apego excessivo ao sentido de amoldar e agradar apelando estritamente ao aspecto comercial, que conduziu as artes plásticas a um deserto estéril – o deserto da falta de significado.
Uma arte abstrata e decorativa pode agradar os sentidos, mas não o espírito, pois não representa nada. E o que deseja o espírito? Certamente, a não visão de fenômenos sem importância, mas a contemplação das formas universais de todas as coisas. A arte oferece ao Homem uma certeza – a certeza do objeto que é regido por uma estrutura invariável: O purismo exprime não as variações, mas o invariante. A arte não deve aspirar à originalidade, mas à clareza e à pureza formal.
O Homem e os artistas perderam o contato com o objeto: Eles só se aproximam da realidade naquilo que ela tem de superficial e extravagante. Por isso, não são capazes de perceber a beleza que reside na estrutura de cada coisa. A generalidade é o que há de invariável na forma, o que é permanente. Tudo predispõe ao retorno ao classicismo, mas a uma escola artística adequada à vida moderna.
Já no que respeita ao pensamento, percebe-se que ele combina imagens ou nomes para se reportar a estados de coisa, de sorte que essa semelhança pode ser no máximo a semelhança de estrutura. É possível então imaginar que nomes e imagens se combinam do mesmo modo como as coisas o fazem para formar um estado de coisa. Por isso, se o pensamento lida com imagens é porque desde logo coloca entre parênteses aquela semelhança que seus elementos relativamente simples mantém com as coisas.



A Caixa




Caixa na sala vazia
voltada para o mar
guardando o ar(tificial).
Caixa na sala e
uma janela trancada,
opacidade do nada,
cubo na calha da via.
Olho posto na velha arca,
solitude de deserto estéril
percorre o horizonte, de linhas parcas,
amontoado arquipélago na caixa fria.
Há um grito cravado no espaço
escorrendo sombras
nos cantos da casa vazia.





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